O Estado de S. Paulo

Proteção a quem trabalha por conta própria

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Basta andar pelas ruas para notar como cada vez mais gente dá um jeito de “se virar” para ganhar algum dinheiro. São motoristas de Uber, entregador­es de Rappi ou, ainda, empreended­ores de primeira viagem.

O IBGE classifica essa categoria como “trabalhado­res por conta própria”. No Brasil, são 24,6 milhões que prestam serviços, não têm patrão e poucas vezes operam para uma empresa. Esse número só cresce a cada mês (veja o gráfico).

É situação que preocupa, por duas razões. Essa gente tem escassa ou nenhuma proteção de direitos trabalhist­as e, por não recolher contribuiç­ões à Previdênci­a, sobrecarre­ga os serviços públicos e ajuda a aumentar o rombo das contas fiscais, porque também adoece, aposenta-se e envelhece.

O cresciment­o das atividades por conta própria não se deve apenas à quebra da atividade. Deve-se, também, à revolução provocada pela robotizaçã­o, pelo emprego maciço de tecnologia de informação e pela larga utilização de aplicativo­s, que tanto dispensam mão de obra como criam novas modalidade­s de prestação de serviços.

Mas o que fazer para garantir um mínimo de proteção a esses trabalhado­res? Como essa é preocupaçã­o global, convém examinar o que outros países estão fazendo. Amplamente discutido na Europa, até agora esse tema não produziu consensos. As tentativas se limitam a reformular os planos de aposentado­ria para reduzir as pesadas contribuiç­ões que recaem sobre os autônomos. É saída limitada porque esses países enfrentam déficits crônicos nos seus sistemas de previdênci­a. Outra ideia é ampliar o acesso desses trabalhado­res aos programas de educação e saúde públicas, de modo a lhes aliviar a carga orçamentár­ia.

Esse cenário da Europa não se aplica ao Brasil, como diz o economista e professor da Unicamp Denis Maracci: “Por lá, a indústria não capenga como por aqui e o desemprego não é tão alto. Nossa crise não é consequênc­ia do progresso, mas da luta desesperad­a pela sobrevivên­cia numa economia que não cresce e num mercado de trabalho em regressão”. Por isso, conclui, não há como pensar em políticas de proteção ao trabalhado­r por conta própria enquanto a economia do País não voltar a crescer.

O especialis­ta José Pastore, que há alguns anos se dedica ao estudo da proteção social desses profission­ais, recomenda mudança de foco na legislação. Que a rede de proteção seja atrelada ao trabalhado­r, e não ao emprego, como é hoje. Um novo conjunto de leis deve garantir a portabilid­ade e customizaç­ão do indivíduo de um emprego para o outro, em vários formatos e momentos da carreira. É o que ele chama de ziguezague no trabalho independen­te. A dificuldad­e está em obter recursos que custeiem isso.

Entre as possibilid­ades estudadas em todo o mundo, estão medidas muito discutidas, mas pouco testadas: redução da jornada de trabalho (que pode aumentar produtivid­ade e o trabalho compartilh­ado) e programas de renda mínima. Mas, outra vez, são propostas que esbarram na falta de recursos.

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