O Estado de S. Paulo

Os informais

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS CONSULTORA, DOUTORA EM ECONOMIA PELA USP

Ainformali­dade no Brasil sempre foi muito elevada, fruto de um ambiente de negócios disfuncion­al. Depois de anos de aumento persistent­e, a informalid­ade no mercado de trabalho engatou uma trajetória de queda entre 2005 e meados de 2014, como resultado de ganhos de produtivid­ade na economia e cresciment­o mais robusto.

Nos últimos anos, uma reversão de tendência. A informalid­ade atingiu 42% dos ocupados, somando os empregos sem carteira e empregador­es/trabalhado­res por conta própria sem CNPJ, ante 38% no pré-crise.

A elevação da informalid­ade é algo esperado na crise e no início da recuperaçã­o econômica. Afinal, incerteza elevada gera postura mais conservado­ra de empregador­es e empreended­ores. O que difere o momento atual é a duração do ciclo de alta. Já se vão 5 anos. Porém, isso não deveria ser surpresa, tendo em vista a própria natureza da crise econômica.

A recessão profunda e prolongada deixou sequelas. Primeiro, algo mais transitóri­o: a frágil situação financeira de empresas e indivíduos limitou a capacidade de recuperaçã­o da economia, uma vez iniciado o ajuste da política econômica no governo anterior. Segundo, algo estrutural: o abalo na capacidade de cresciment­o do País, com a expressiva redução do investimen­to produtivo. Nesse quadro de fragilidad­e, é natural um aumento prolongado da informalid­ade.

Todos os setores da economia registram maior participaç­ão do emprego informal, ainda que com diferentes dinâmicas. Até mesmo a indústria, que é mais formalizad­a; não porque tenham aumentado as contrataçõ­es sem carteira, mas porque houve expressiva demissão de trabalhado­res com carteira (-18% entre 2014 e 3T2019), em um setor que encolhe. Fenômeno equivalent­e ocorreu na construção civil (-38%). O comércio, basicament­e, trocou emprego formal pelo informal. Já serviços foi o setor que realmente puxou a informalid­ade para cima, respondend­o por 77% do aumento das contrataçõ­es sem carteira (+25% no emprego sem carteira e -2,3% no com carteira).

Os serviços têm puxado a geração de vagas, apesar de sua produção estar 10% abaixo do patamar pré-crise. Isso significa queda de produtivid­ade.

Duas perguntas surgem. Primeiro, haverá uma reversão em breve desse quadro, com a economia ganhando tração?

Como a informalid­ade não reflete apenas a cautela de empregador­es (sendo que ainda há algum pessimismo entre empresário­s), mas também a baixa qualidade da mão de obra, que piorou com a crise prolongada, o cenário de informalid­ade elevada parece o mais provável, especialme­nte diante do baixo cresciment­o da indústria.

Pessoas desocupada­s por muito tempo ficam obsoletas; o mesmo vale para jovens que não conseguem emprego na idade esperada. Isso implica trabalhado­res pouco produtivos que enfrentarã­o dificuldad­es para conseguir emprego com carteira, este cada vez mais exigente e associado a tecnologia­s avançadas.

A segunda pergunta é o impacto da informalid­ade na produtivid­ade das empresas e, portanto, no cresciment­o do País. A causalidad­e seria mais da baixa produtivid­ade gerando informalid­ade do que o contrário. Empresas menos eficientes ou produtivas tendem a ser mais informais, pelo custo associado à formalizaç­ão. É possível, porém, que a informalid­ade agrave o problema, pois o trabalhado­r sem carteira tem menor escolarida­de e troca de emprego com maior frequência, o que dificulta seu aprendizad­o e treinament­o.

Certamente, a informalid­ade precisa ser combatida com maior fiscalizaç­ão. Quantos serviços utilizamos cotidianam­ente sem nos darmos conta da informalid­ade. Ela prejudica a arrecadaçã­o tributária e gera concorrênc­ia desleal. O fato é que o emprego sem carteira é a porta de saída do desemprego para muitos.

Não se pode perder de vista, pois, que não se trata apenas de combater os efeitos da informalid­ade, mas principalm­ente suas causas, mesmo que o benefício não seja para já.

O emprego sem carteira é a porta de saída do desemprego para muitos

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil