O Estado de S. Paulo

Os homens ajudam as mulheres em ‘O Escândalo’

Charlize Theron fez questão de incluir diretor no filme sobre assédio sexual

- Mariane Morisawa ESPECIAL PARA O ESTADO LOS ANGELES

O debate sobre a presença de mais mulheres na frente e atrás das câmeras continua a todo vapor em Hollywood. Elas podem ter conquistad­o um recorde de 31% das indicações ao Oscar este ano, por exemplo, mas nenhuma diretora foi indicada em sua categoria. Dos nove longas concorrent­es à estatueta de melhor filme, apenas um, Adoráveis Mulheres, é sobre mulheres. Há um sobre um casal se divorciand­o (História de um Casamento) e um sobre duas famílias de classes sociais diferentes (Parasita). Nos outros todas as personagen­s femininas são coadjuvant­es – bem coadjuvant­es mesmo, quando não totalmente ausentes. Mas há algum esforço para mudar a situação. Diretoras como Ava DuVernay têm sido mentoras de cineastas do sexo feminino. Nicole Kidman prometeu ser dirigida por uma mulher pelo menos a cada 18 meses. E muitas atrizes se tornaram produtoras para criar conteúdo com mais protagonis­tas femininas e dar mais oportunida­des a mulheres em geral.

É o caso de Charlize Theron, com sua Denver and Delilah.

Quando o roteiro de O Escândalo, sobre os casos de assédio sexual contra o CEO da Fox News, Roger Ailes, chegou à sua produtora, ela não pestanejou – mesmo que tivesse sido escrito por um homem, Charles Randolph. Theron conversou sobre o roteiro com seu amigo, o diretor Jay Roach, e decidiu que ele seria a melhor pessoa para dirigir o filme, que estreia nesta quinta-feira (16) no Brasil e concorre a três Oscar (melhor atriz para Theron, coadjuvant­e para Margot Robbie e maquiagem). “Jay Roach obviamente não é uma mulher – ninguém é perfeito”, disse Theron em entrevista em Los Angeles. “Apoio muito a presença feminina no set. Tínhamos mais mulheres que homens. E apoio as cineastas mulheres. Mas nenhuma transforma­ção vai acontecer se os homens não forem incluídos nesta conversa.”

Roach disse ao Estado que chegou a perguntar à amiga se ela não preferia contratar uma mulher. “Eu disse: Ok, mas só se você for nossa parceira nisso. E ela foi. Foi uma guerreira”, disse o diretor. A ideia de escrever sobre o escândalo envolvendo o todo-poderoso chefão da Fox News, acusado por algumas das principais âncoras do canal, como Megyn Kelly (Theron) e Gretchen Carlson (Kidman), de assédio sexual, surgiu para Charles Randolph na época em que estava acontecend­o – Ailes pediu demissão em 2016. “Eu tive muitas conversas com mulheres e sabia como o problema era comum”, disse o roteirista. “Então para mim pareceu que era hora de todos nós contarmos essa história, homens, mulheres, jovens e velhos. Escrevi antes de estourar o escândalo de Harvey Weinstein (em outubro de 2017). Não sabia se alguém ia prestar atenção. E no fim, com o #Me Too e o Time’s Up, muita gente acabou prestando atenção.”

O processo de escrever e depois filmar a história de assédio sexual foi um aprendizad­o para Randolph, Roach e também John Lithgow, que faz Roger Ailes. Uma das cenas mais fortes do filme é Ailes pede a Kayla (Margot Robbie), uma personagem que é uma combinação de várias mulheres, que levante sua saia pouco a pouco. “Acho que o instinto masculino é minimizar: ‘Ah, o que tem demais em mostrar as pernas?’. Os homens não costumam entender como esse tipo de experiênci­a pode ser devastador e completame­nte transforma­r a vida de uma mulher”, disse Randolph. “O dia em que filmamos esta cena foi muito sensível para todos nós. Jay (Roach), eu e a maior parte dos homens da equipe vimos pela primeira vez nos olhos das mulheres no set o quanto elas estavam abaladas.” John Lithgow, que se disse casado com uma feminista de carteirinh­a, acredita que a cena é a chance de colocar os homens dentro do escritório ou do quarto de hotel em que o assédio e o abuso acontecem. “Nós nunca vamos além da porta fechada.

Esta é uma chance de se aproximar da experiênci­a.”

Roach reagiu apaixonada­mente à noção de que uma mulher poderia simplesmen­te dizer não ao assédio e deixar a sala. “Não vamos colocar a culpa na vítima. Em geral, essas mulheres não tinham poder para enfrentar uma situação dessas no trabalho e recusar ou denunciar o homem”, afirmou. “Muita gente depende do emprego, afinal. E não só. Ela eram coagidas. Houve o caso de uma repórter que tinha um futuro brilhante pela frente como correspond­ente de guerra. Ela sofreu assédio. Não fez uma reclamação na Fox News nem nada. Seu agente mencionou de passagem para alguém numa conversa, ela foi demitida no dia seguinte e nunca mais conseguiu um trabalho na televisão. Algo assim acontecer é errado e ponto final.”

 ?? HILARY BRONWYN GAYLE/LIONSGATE ?? Assédio. Charlize Theron e John Lithgow em cena de ‘O Escândalo’
HILARY BRONWYN GAYLE/LIONSGATE Assédio. Charlize Theron e John Lithgow em cena de ‘O Escândalo’

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