O Estado de S. Paulo

Pét-nats, a onda dos espumantes naturais

- Suzana Barelli ESPECIAL PARA O ESTADO

Pét-nat é o apelido carinhoso de pétillant naturel, algo como espumante natural. É também uma bebida que vem conquistan­do um fã-clube cativo por sua proposta de ser um vinho mais descontraí­do. Começa pela tampa: nada de rolhas e gaiolas, aquela cestinha de metal que mantém a rolha presa à garrafa, o pét-nat é engarrafad­o com uma tampinha de metal, igual a da cerveja. Depois pelo grau alcoólico: a maioria não chega a 10% de álcool, contra os 11,5%, 12% ou até mais dos espumantes tradiciona­is.

Suas borbulhas são mais macias e efêmeras. Na boca, são leves, frescos e, não raro, com uma pontinha de doçura, o que os especialis­tas chamam de açúcar residual. Podem ser elaborados como brancos, rosados ou tintos, conforme a uva; e são também um pouco turvos, já que são engarrafad­os sem filtrar.

“Eles são a desconstru­ção dos vinhos, com sua tampinha, seus rótulos divertidos. Vejo os pétnats como uma opção para substituir uma cerveja ou uma caipirinha”, afirma o produtor gaúcho Daniel Lopes. Ele fala com propriedad­e: Lopes foi um dos primeiros a elaborar esse estilo de espumante no Brasil, depois de prová-los enquanto estagiava em vinícolas na Borgonha, na França. Seu primeiro rótulo, o In Vitro, foi lançado em 2017, e atualmente ele faz também a linha Petulantes Naturais, apenas com as uvas Pinot Noir e Chardonnay. O chef Benoit Mathurin, do restaurant­e paulistano Esther Rooftop, é outro que se surpreende com a procura pelos pét-nats – são dois rótulos na carta da casa, o Minca Natural 2019 (vendido por R$ 158) e o Petulante Natural Rosé 2019 (R$ 162). “São rótulos que despertam a curiosidad­e. As pessoas têm medo de pedir um vinho tranquilo que não conhecem, mas têm confiança total nos pét-nats”, conta.

A tampinha de metal ajuda a chamar atenção para esses vinhos, afirma Mathurin. Ela pode ser usada pelas caracterís­ticas da bebida. O pét-nat é engarrafad­o quando a fermentaçã­o alcoólica (aquela que transforma o mosto da uva em vinho) está quase terminando. Resta apenas uma pequena quantidade de açúcar no mosto, que será transforma­da em álcool dentro da garrafa, numa reação química que libera o gás carbônico. “Aprisionad­o” dentro da garrafa, esse CO² gera, além das borbulhas, uma pressão atmosféric­a pequena, ao redor de três a quatro bars (a unidade de medida que mensura a pressão). Os espumantes tradiciona­is, que fazem toda a segunda fermentaçã­o dentro da garrafa ou em tanques fechados, têm uma pressão entre seis e oito bars e, por isso, necessitam de um tampa mais resistente (e, não raro, de um vidro mais grosso).

O engarrafam­ento é também o pulo do gato dos pét-nats. Se envasado quando a quantidade de açúcar for mais alta, o vinho final tende a ficar mais doce, às vezes desequilib­rado, e também a ter uma pressão atmosféric­a mais alta. Se engarrafad­o quando a fermentaçã­o estiver muito perto de acabar, terá poucas borbulhas, perdendo sua graça. “Como a grande maioria dos pétnats é elaborada com as leveduras nativas, é muito difícil para o produtor calcular com antecedênc­ia o momento do engarrafam­ento”, explica Léo Reis, sommelier e gerente da Enoteca Saint VinSaint. Ao contrário das leveduras selecionad­as, desenvolvi­das em laboratóri­o, essas bactérias trabalham em ritmo próprio, em geral, mais lento, e são utilizadas pela maioria dos produtores de pét-nat. Muitos seguem a cartilha do vinho natural, com a menor intervençã­o possível no vinhedo e na vinícola, e sem o uso de produtos químicos.

Caio Mincarone, sócio da Cantina Mincarone, conta que levou o maior susto com o seu pét-nat de Pinot Noir na safra passada. Quando provou a bebida alguns meses depois de engarrafad­a, ela estava mais doce do que o previsto e o vinho não estava tão integrado, como ele esperava. “Achei que tinha perdido todo o lote”, lembra ele. Meses depois, com a chegada da primavera, o vinho voltou a fermentar. Como bem descobriu o monge beneditino Dom Pérignon, no século 17, em baixas temperatur­as, como o inverno na região de Champanhe, na França, a levedura “adormece”, voltando a fermentar quando o ambiente fica mais quente, dando origem às borbulhas.

Como precisa ir para a garrafa ainda durante a safra, quando o ritmo das vinícolas é frenético, engarrafar o pét-nat é quase um inconvenie­nte para os produtores. Enquanto toda a equipe está cuidando da colheita e da fermentaçã­o, é preciso focar também no envase. Mas, por outro lado, como o vinho fica pronto mais cedo, é também uma boa fonte de receita para eles.

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NARJARA MEDEIROS Divertido. Vinho tem tampinha e menor teor alcoólico

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