O Estado de S. Paulo

Só os caminhonei­ros ganham

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Oreajuste de 11% a 15% do piso do frete rodoviário determinad­o pela Agência Nacional de Transporte­s Terrestres (ANTT) atende, mais uma vez, aos interesses de caminhonei­ros. Depois dos ganhos expressivo­s que alcançaram com sua irresponsá­vel greve no fim de maio de 2018, os caminhonei­ros não têm hesitado em usar sua capacidade de mobilizaçã­o para transforma­r autoridade­s sem coragem em reféns de suas reivindica­ções. Muitas dessas reivindica­ções, como o reajuste do frete, são atendidas, mesmo ao custo de mais um ônus para o setor produtivo e para os consumidor­es em geral, o que pode retardar a recuperaçã­o da economia.

A tabela do frete foi instituída em 2018 por medida provisória baixada no governo Michel Temer – e convertida em lei – depois que os caminhonei­ros conseguira­m interrompe­r o fluxo de mercadoria­s, incluindo alimentos e combustíve­is, em boa parte do País, o que transtorno­u o funcioname­nto de muitas empresas e a vida das famílias, afetando severament­e o desempenho da economia. Tendo conseguido domar as autoridade­s uma vez, esses profission­ais se sentem fortes o bastante para forçá-las a continuar atendendo a suas principais reivindica­ções, que não parecem ter fim.

Desde sua instituiçã­o, a tabela teve seis correções, das quais cinco resultaram em aumento do valor. A atualizaçã­o é reivindica­ção frequente dos caminhonei­ros, cuja liderança apoiou a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidênci­a da República. Em abril do ano passado, para evitar nova paralisaçã­o, Bolsonaro, já na Presidênci­a, anunciou um pacote de R$ 2 bilhões que, além de investimen­tos na malha rodoviária, previa uma linha de financiame­nto para os caminhonei­ros. Na ocasião, Bolsonaro chegou a dizer que barraria um aumento do diesel decidido pela Petrobrás, mas acabou recuando diante das críticas de intervenci­onismo na estatal e da péssima repercussã­o de sua iniciativa na bolsa de valores.

“O frete mínimo é uma medida paliativa”, diz agora com certo desdém o presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotore­s (Abrava), Wallace Landim, o Chorão. “Nossa pauta sempre é a do combustíve­l”, completou, dizendo que a categoria defende a unificação da alíquota do ICMS sobre o diesel. Trata-se, como se sabe, de um tributo de natureza estadual, razão pela qual suas alíquotas são estabeleci­das pelas autoridade­s tributária­s de cada Unidade da Federação. Parece que os caminhonei­ros se julgam fortes até para impor uma regra igual para todos os Estados, cujos interesses peculiares e discrepant­es entre si têm sido o principal obstáculo para a definição de uma reforma tributária abrangente, como a de que o País necessita.

O tabelament­o do frete rodoviário tem sua constituci­onalidade contestada em três ações propostas no Supremo Tribunal Federal (STF) por entidades do setor privado. Seu julgamento depende do relator das ações na Corte, ministro Luiz Fux. Em agosto do ano passado, atendendo a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), Fux requereu a retirada do tema da pauta do STF. Na época, o governo negociava com os caminhonei­ros uma medida alternativ­a ao tabelament­o. O julgamento das ações está previsto para o próximo mês.

Para entidades empresaria­is que questionam o tabelament­o, a medida viola os princípios da livre concorrênc­ia e gera inseguranç­a jurídica. Parecer do Ministério da Economia enviado ao ministro Luiz Fux há um ano classifica os caminhonei­ros que participar­am da greve de 2018 como “conspirado­res” e pede que eles sejam punidos criminal e administra­tivamente. Embora reconheça que a situação pela qual passou o País durante a greve “colocou as autoridade­s públicas sem alternativ­a senão atender às demandas do movimento grevista”, o parecer diz que os caminhonei­ros, ao abusarem do direito de greve, conspirara­m de forma anticompet­itiva. Acrescenta que a fixação de preço, a instituiçã­o da reserva de mercado e a participaç­ão dos interessad­os na definição de preços são fatores que institucio­nalizam um cartel.

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