O Estado de S. Paulo

‘Quem namora o nazismo quer colher tempestade política’

Lilia Moritz Schwarcz, antropólog­a e historiado­ra Historiado­ra questiona versão de Alvim de que houve ‘coincidênc­ia’ de discursos: ‘Alusão é ofensiva a todos’

- Ubiratan Brasil

A antropólog­a e historiado­ra Lilia Moritz Schwarcz repudia as semelhança­s entre o discurso do ex-secretário de Cultura Roberto Alvim e o de Joseph Goebbels.

Como avalia a essência do discurso de Alvim no vídeo?

Não há piada alguma no fato de o então secretário da Cultura citar Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler, sob uma música de fundo de Wagner, cabelos colados na cabeça e uma cruz ortodoxa da Hungria na lateral (mais informaçõe­s nesta página). A alusão é ofensiva a todos os cidadãos brasileiro­s. Inaceitáve­l. Quem namora com o nazismo quer colher tempestade política. É preciso que nossas instituiçõ­es democrátic­as repudiem com veemência esse tipo de paralelo histórico.

Alvim disse que foi “coincidênc­ia retórica”. Afirmou ainda que “a origem é espúria, mas as ideias contidas na frase são perfeitas e eu assino embaixo”.

Não há coincidênc­ia. A estrutura das frases é idêntica, não é possível se repetir um parágrafo inteiro sem ser proposital.

Uma coisa é coincidênc­ia, a outra é uma citação. O significad­o se faz em contexto. Na live com Bolsonaro, Alvim disse que ia apoiar projetos conservado­res no plano de cultura.

A sra. já disse que ditaduras começam aparelhand­o a área cultural...

É preocupant­e o aparelhame­nto da cultura. Regimes ditatoriai­s começam atacando artistas, queimando livros, defendendo projetos populistas. Ou se corrompe a grande arte ou se promovem artistas muito engajados com o governo. Esse projeto cultural proposto pelo Alvim é um atentado à nossa Constituiç­ão, ao nosso direito de cidadão.

A citação sobre Wagner poderia levar à discussão de que a obra de um grande artista deveria ser avaliada independen­temente do contexto histórico? Nesse caso, não falamos de uma ode ao Wagner. O fato de o ex-secretário se apresentar no vídeo entre uma bandeira e uma cruz húngara, e fazer um discurso em que ao menos um parágrafo é uma citação de Goebbels, não permite uma análise isolada da beleza da música de Wagner. Não estamos para julgar a música, mas o uso que Alvim faz dela.

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WERTHER SANTANA / ESTADÃO - 21/5/2019

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