O Estado de S. Paulo

Com 34 mil assassinat­os, México bate recorde de homicídios em 2019

Analistas afirmam que fragmentaç­ão de grandes cartéis aumentou competição entre grupos menores e criticam falta de estratégia­s do presidente López Obrador; governo registra mais de 60 mil desapareci­dos, a maioria após início da guerra às drogas

- CIDADE DO MÉXICO / AP, WP e

A polícia mexicana informou ontem que encontrou 14 corpos em 7 valas clandestin­as em um arquipélag­o do Estado de Oaxaca, no sul do país. Os buracos de bala nos crânios não deixam dúvidas: foram todos executados. O caso reflete como em seu primeiro ano como presidente, Andrés Manuel López Obrador não conseguiu controlar a violência e o México fechou 2019 com recorde de homicídios: 34.132.

As cifras reunidas pela Secretaria de Segurança Pública, Exército, Marinha e Ministério Público ainda são preliminar­es – com dados até 20 de dezembro –, mas já representa­m um aumento com relação a 2018, quando 33.743 homicídios dolosos foram registrado­s no México. Em 2018, o índice ficou em 27 assassinat­os por 100 mil habitantes, um pouco maior que o brasileiro, de 24,7 por 100 mil.

Especialis­tas, porém, estimam um total ainda maior. A ONG Causa en Común, que defende os direitos civis, calcula que 36 mil pessoas tenham sido assassinad­as no país no ano passado – apenas 10% dos casos terminam com algum tipo de punição. “Em um ano, a política de segurança pública de Obrador não conseguiu resultados”, disse Francisco Rivas, diretor do Observator­io Nacional Ciudadano. “O que ele fez foi se concentrar no combate à pobreza, mas isso não reduziu o crime.”

López Obrador assumiu a presidênci­a prometendo o fim da guerra às drogas com um discurso cordial e um slogan carinhoso: “abraços, e não balas”. Nos primeiros meses, criou a Guarda Nacional, com 70 mil homens, que deveria combater o crime, mas acabou sendo espalhada pelo país à caça de imigrantes a caminho dos EUA.

Os erros do governo de López Obrador ficaram expostos em outubro, quando homens armados do cartel de Sinaloa tomaram a cidade de Culiacán, forçando a polícia a soltar Ovidio Guzmán, filho do traficante Joaquín “El Chapo” Guzmán, logo após sua prisão. O episódio foi seguido pelo brutal assassinat­o de três mulheres e seis crianças americanas pertencent­es a uma comunidade mórmon no norte do país.

Parte do problema, segundo analistas, está na estratégia de perseguir os chefões dos grandes cartéis, implementa­da pelos presidente­s Felipe Calderón (2006-2012) e Enrique Peña Nieto (2012-2018). O resultado foi o enfraqueci­mento das grandes organizaçõ­es criminosas e o surgimento­s de grupos menores, que avançaram para ocupar um espaço territoria­l cada vez mais reduzido.

A inseguranç­a no México ganhou uma nova dimensão em dezembro, quando o governo de López Obrador refez as contas e divulgou um novo balanço de desapareci­dos: 61.637 pessoas – 97% dos casos ocorreram a partir de 2006, quando Calderón lançou a ofensiva contra os cartéis.

Karla Quintana, chefe da Comissão Nacional de Busca, que coordena os esforços para encontrar os desapareci­dos, disse que foram encontrado­s mais de 3 mil cemitérios clandestin­os no México – bem mais do que estimavam jornalista­s e especialis­tas.

Analistas citam vários motivos para os desapareci­mentos. Em alguns casos, os criminosos querem apagar pistas de crimes. Em outros, buscam espalhar um clima de terror para dominar a população. No início da década, partes do México se transforma­ram em campos de extermínio, com centenas de corpos incinerado­s em barris de petróleo ou dissolvido­s em ácido.

“Estes números refletem uma calamidade, uma catástrofe humana”, afirmou José Miguel Vivanco, diretor da Human Rights Watch, ONG de defesa dos direitos humanos. De acordo com ele, 5.184 novos desapareci­mentos foram registrado­s já no governo de López Obrador. “Os responsáve­is são grupos mafiosos, gangues e cartéis, mas também agentes do Estado.”

Outro problema do combate ao crime no México é o excesso de órgãos de segurança. Além de duas polícias federais, 31 estaduais, cada município tem uma polícia. No total, são mais de 2 mil corporaçõe­s diferentes. A ponta mais frágil da cadeia são os policiais municipais, que têm direito a apenas um dia de férias por ano, 61% ganham menos do que um salário mínimo (US$ 140) e pagam pela munição que utilizam. Ao mesmo tempo, eles estão diante de 92,7% dos crimes e na linha de frente dos cartéis, portanto, mais vulnerávei­s à corrupção.

“Estes números refletem uma calamidade, uma catástrofe humana. Foram registrado­s já no governo de López Obrados 5.184 novos desapareci­mentos. Os responsáve­is são grupos mafiosos, gangues e cartéis, mas também agentes do Estado”

José Miguel Vivanco

DIRETOR DA HUMAN RIGHTS WATCH

 ?? ULISES RUIZ / AFP ?? Violência. Soldado do Exército guarda cemitério clandestin­o encontrado em Lomas del Vergel, no Estado de Jalisco
ULISES RUIZ / AFP Violência. Soldado do Exército guarda cemitério clandestin­o encontrado em Lomas del Vergel, no Estado de Jalisco

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