O Estado de S. Paulo

Vídeo de inspiração nazista faz Bolsonaro demitir secretário

Presidente exonerou Roberto Alvim, da Cultura, após sofrer forte pressão; atriz Regina Duarte é convidada

- Tânia Monteiro Mateus Vargas / BRASÍLIA

O presidente Jair Bolsonaro demitiu ontem o secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, depois que ele apareceu em um vídeo em que anunciava sua política cultural plagiando trecho de um discurso de Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha nazista. Nas primeiras horas da manhã, Bolsonaro não pensava em dispensar Alvim, que estava no cargo desde novembro, mas recebeu pressão dos presidente­s da Câmara, do Senado, do STF, da comunidade judaica e de eleitores. Dois telefonema­s foram fundamenta­is para que Bolsonaro mudasse de ideia: o do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que é judeu, e o do embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley. O discurso de Alvim gerou a mais forte reação a um pronunciam­ento ideológico desde o início do atual governo. Numa tentativa de sair rapidament­e da crise, o presidente convidou a atriz Regina Duarte para assumir a Secretaria da Cultura. Ela disse que responderá até segunda-feira. A atriz apoiou Bolsonaro na campanha e no ano passado já havia sido chamada para o cargo, mas recusou. Agora, disse que está “pensando”. “Estou com este convite e me assusta muito. (...) Tem um ministério complicado aí”, afirmou.

A atriz Regina Duarte foi convidada pelo presidente Jair Bolsonaro para assumir a Secretaria Especial de Cultura no lugar de Roberto Alvim. Em entrevista à Rádio Jovem Pan, a atriz disse que está avaliando se aceita o cargo. Segundo apurou o Estado, a ideia do governo é levar um nome de peso, reconhecid­o no meio cultural, para assumir o posto, nos moldes da indicação de Gilberto Gil para o Ministério da Cultura no governo Lula. Caso ela não aceite o convite, uma das opções cotadas é o ator Carlos Vereza.

“Estou com este convite, me assusta muito”, disse Duarte em entrevista à Jovem Pan. “Não é a primeira vez que sou convidada para esse cargo, me assusta muito, porque tem um ministério complicado aí (risos)...”

Regina Duarte já havia sido convidada para integrar o governo no início do ano passado, mas recusou. A atriz é uma das mais famosas apoiadoras do presidente Jair Bolsonaro e já elogiou a política do governo no setor. “Eu não estou preparada, não me sinto preparada para isso, acho que a gestão pública é uma coisa muito complicada e uma pasta como a da cultura muito mais”, disse. Segundo ela, a resposta deve ser dada até segunda-feira.

Quando Bolsonaro foi eleito, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, foi até São Paulo se encontrar com ela para discutir políticas do governo para a área da cultura. A atriz, segundo apurou o Estado, foi uma das defensoras de Alvim na época em que ele assumiu uma diretoria da Fundação Nacional das Artes (Funarte), cargo que ocupou antes de ser alçado a secretário.

A aproximaçã­o de Duarte com Bolsonaro começou ainda na campanha eleitoral de 2018. Na ocasião, a atriz visitou o então candidato em sua casa, no Rio de Janeiro, e imagens do encontro foram divulgadas nas redes sociais.

Não é a primeira vez que a atriz se envolve na política. Em 2002, Regina Duarte foi destaque da campanha “Eu tenho medo”, contra a candidatur­a de Luiz Inácio Lula da Silva. No vídeo da propaganda eleitoral do então adversário de Lula, o tucano José Serra (PSDB), a atriz declarou que tinha “medo” de Lula e que estava preocupada com um possível retrocesso na área econômica com a vitória do PT.

Há mais de 50 anos na televisão brasileira, Regina Duarte contou em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, em maio do ano passado, que após declarar apoio a Bolsonaro passou a ser chamada de “fascista”. “Em 2002, fui chamada de terrorista e hoje sou chamada de fascista, olha que intolerânc­ia?”, desabafou na ocasião.

A atriz afirmou que sente uma certa censura por parte de pessoas que são oposição. “E eu achando que vivia em uma democracia, onde eu tenho o direito de pensar de acordo com o que eu quero. Eu respeito todo mundo que pensa diferente de mim. Não saio xingando as pessoas por aí”, disse à época.

Na mesma entrevista, a atriz afirmou que estava escrevendo uma biografia, relembrou trabalhos históricos na TV, como a série Malu Mulher, e a participaç­ão em novelas, sempre no papel de Helena.

Sobre o protagonis­mo de Regina Duarte interpreta­ndo Malu, uma personagem essencialm­ente feminista e contra os ditos valores morais da época, a atriz revelou: “Eu nunca me declarei feminista, mesmo fazendo a Malu (a série Malu Mulher). Eu não acho que as coisas são por aí. Acredito que há caminhos intermediá­rios. Eu fui e continuo conservado­ra. Eu só tenho medo de ficar velhinha e dizer: ‘Ah, esse mundo está perdido!’. Que horror!”, disse.

Sturm. Outros nomes foram citados nos bastidores por integrante­s do governo como possíveis substituto­s de Alvim. São eles André Sturm, atual secretário de Audiovisua­l do governo federal, e Josias Teófilo, diretor de “O Jardim das Aflições”, que retrata as ideias do escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonaris­mo.

O Estado apurou que Sturm está em São Paulo e não foi procurado. Antes de entrar no governo federal, em dezembro, ele havia sido secretário de Cultura da Prefeitura de São Paulo na gestão João Doria (PSDB). O próprio Alvim convidou Sturm ao governo de Jair Bolsonaro durante um almoço na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Ele foi anunciado à época como nome de “conciliaçã­o” em meio a atritos do então chefe da Cultura com o setor.

Já Teófilo é lembrado no governo por ter sido cotado à secretário do Audiovisua­l do governo no passado. Ontem, ele defendeu nas redes sociais, a saída de Alvim do cargo e disse que rompeu com o então secretário quando Katiane Gouvêa foi nomeada ao governo. “Ele a demitiu e me ligou pedindo desculpa e pedindo indicação para a Secretaria do Audiovisua­l. Me neguei a indicar um nome porque sabia da gravidade da situação”, disse Teófilo.

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GABRIELA BILÓ / ESTADÃO Símbolos. Vídeo de Alvim tinha ópera de Wagner, autor admirado por Hitler, como fundo musical e uma Cruz Missioneir­a
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ALEX SILVA/ESTADÃO - 25/10/2018 Opção. A atriz Regina Duarte disse que já havia sido sondada e que fica ‘assustada’ com a ideia de integrar o governo

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