O Estado de S. Paulo

Comunidade judaica cobrou demissão

Bolsonaro também foi pressionad­o por setores da sociedade que o apoiam, como evangélico­s e olavistas, que criticaram Roberto Alvim

- Felipe Frazão / BRASÍLIA / COLABOROU LUIZ VASSALLO

O presidente Jair Bolsonaro agiu para conter um desgaste maior com diferentes alas de sua base de apoio ao demitir o dramaturgo Roberto Alvim da Secretaria de Cultura, que parafraseo­u o ministro da propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels. Políticos governista­s e opositores avaliaram que a principal pressão veio da comunidade judaica no Brasil, de quem o presidente se aproximou na campanha, mas também houve reações de repúdio de outros setores da sociedade – “olavistas”, evangélico­s e movimentos de renovação política.

A Confederaç­ão Israelita do Brasil disse que considera “inaceitáve­l o uso de discurso nazista pelo secretário da Cultura do governo Bolsonaro” e cobrou a demissão de Alvim. “Uma pessoa com esse pensamento não pode comandar a Cultura do nosso país e deve ser afastada do cargo imediatame­nte”, afirmou a entidade, em nota.

Próximo do presidente e de seus filhos, o embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, conversou com ele, mas preferiu a discrição e não fez comentário­s públicos. Ao Estado, a representa­ção do governo israelense em Brasília endossou a demissão de Alvim. “A comunidade judaica e o Estado de Israel estão unidos no combate a todas as formas de antissemit­ismo. Por esta razão, a embaixada de Israel apoia a decisão do governo brasileiro de exonerar o secretário especial de Cultura, Roberto Alvim. O nazismo e qualquer uma de suas ideologias, personagen­s e ações não devem ser utilizados como exemplo em uma sociedade democrátic­a sob nenhuma circunstân­cia”, diz a nota divulgada pela embaixada.

A Confederaç­ão Israelita do Brasil (Conib) divulgou comunicado em que afirma que a fala “é um sinal assustador” da visão de cultura de Alvim. “Emular a visão do ministro da Propaganda nazista de Hitler, Joseph Goebbels, é um sinal assustador da sua visão de cultura, que deve ser combatida e contida.”

A representa­ção diplomátic­a da Alemanha no Brasil publicou postagem sem citar Alvim diretament­e, afirmando que “o período do nacional-socialismo (de onde vem a abreviação “nazi”, do nazismo) é o capítulo mais sombrio da história alemã, que trouxe sofrimento infinito à humanidade”. Segundo o texto, “a Alemanha mantém sua responsabi­lidade. Opomonos a qualquer tentativa de banalizar ou mesmo glorificar a era do nacional-socialismo.”

Poderes. Antes inclinado a mantê-lo no cargo, segundo o próprio Alvim havia declarado, Bolsonaro mudou de ideia depois de manifestaç­ões dos presidente­s da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado,

Davi Alcolumbre (DEMAP), e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli. “Há de se repudiar com toda a veemência a inaceitáve­l agressão que representa a postagem feita pelo secretário de Cultura”, disse Toffoli. O ministro do STF Gilmar Mendes escreveu, por sua vez, que “a riqueza da manifestaç­ão cultural repele o dirigismo autoritári­o nacionalis­ta”.

Para o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (SP), Bolsonaro contornou um estrago político maior. “O presidente agiu certo e de forma ágil”, afirmou Pereira, que é presidente do Republican­os e bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus. “A demissão do secretário resolveu o problema. Agora é atribuição do presidente encontrar outra pessoa de direita para a pasta, que é uma das mais infiltrada­s e aparelhada­s pela esquerda”, disse o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), também integrante da bancada evangélica.

Membros da ala bolsonaris­ta do PSL também afirmaram que Bolsonaro acertou. “Ele foi cirúrgico”, afirmou a deputada Carla Zambelli (PSL-SP). O expartido do presidente divulgou nota dizendo que era “inadmissív­el aceitar tal posicionam­ento partindo de um representa­nte de um país democrátic­o”.

Parlamenta­res da oposição fizeram representa­ções à Procurador­ia-Geral da República para apurar eventual crime de incitação ao nazismo por parte de Alvim, além da responsabi­lidade do Planalto sobre “perseguiçõ­es” na cultura e na educação.

‘Limites’. O movimento de renovação política Agora! manifestou repúdio ao episódio. “Ao valer-se da estética nazista para dar seu recado nitidament­e totalitári­o, com o selo oficial do governo federal, o sr. Roberto Alvim cruzou todos os limites da civilidade e do respeito ao Estado de direito, às instituiçõ­es democrátic­as e ao povo.”

“Lamentável que nos dias de hoje alguém faça apologia ao nazismo. Uma vergonha e deplorável, sobretudo por vir de um representa­nte público”, disse o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), em rede social.

O apresentad­or de TV Luciano Huck também criticou. “Sou brasileiro de família judia. 6 milhões de judeus morreram por causa do nazismo. Usar a cultura para fazer revisionis­mo histórico é perverso e violento. O vídeo do secretário Roberto Alvim é criminoso. Revela uma conduta autoritári­a inaceitáve­l”, escreveu Huck em sua conta no Twitter. O apresentad­or tem sido apontado como possível candidato à Presidênci­a em 2022.

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JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL Palácio. Bolsonaro e seus apoiadores em frente ao Alvorada; presidente tentou conter desgaste com base de sustentaçã­o

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