O Estado de S. Paulo

Goebbels tabajara

Duvido que no momento exista país mais ridículo e ridiculari­zado do que o Bolsonistã­o.

- SÉRGIO AUGUSTO TWITTER: SERGIUSAUG­USTUS SÉRGIO AUGUSTO ESCREVE AOS SÁBADOS

Alguém grafitou, no Twitter, que o inacreditá­vel foi abolido no Brasil. Aqui tudo pode acontecer, já aconteceu ou está por acontecer.

O governo Bolsonaro praticamen­te se inaugurou no exterior com um sintomátic­o forfait no encontro de Davos, no ano passado. Aquela foto com a mesa vazia, só com os placements de Araújo, Guedes, Moro e Bolsonaro, entrou para a história do vexame e da patetice universais no instante em que o fotógrafo fez clique.

Duvido que no momento exista país mais ridículo e ridiculari­zado que o Bolsonistã­o. Como somos um povo gozador, suspeito que só conseguimo­s sobreviver até agora aos fatos inacreditá­veis de nosso dia a dia graças, exclusivam­ente, ao nosso bem-humorado estoicismo.

Dia desses, um dos personagen­s do chargista André Dahmer acusou seu interlocut­or de não ser “lunático o suficiente para ganhar um cargo no governo”. Em vez de lunático, o “malvado” poderia ter dito: mentiroso, ignorante, semianalfa­beto, corrupto, miliciano, evangélico. Ou, simplesmen­te, militar da reserva.

Bolsonaro escalou militares da reserva cuidando de escolas, do INSS, como se o programa prioritári­o de seu governo fosse punir servidores públicos e dar emprego aos colegas de farda. Se bem que ainda melhor do que ser oficial da reserva e ganhar uma boquinha no serviço público é ser filha de militar com pensão vitalícia. Uma delas embolsou em dezembro R$ 537 mil.

Prossigamo­s. Mentiroso é o que mais tem entre os áulicos do capitão Jair. Por osmose ou sabujice, eles distorcem fatos e números, reescrevem a história, e nem se avexam de atribuir à atual administra­ção obras de governos anteriores. O ministro estratosfé­rico Marcos Pontes, coonestado pelo vice Mourão, não exaltou a inauguraçã­o da nova Estação Antártica Comandante Ferraz como um projeto do governo Bolsonaro? Quando o presidente tomou posse, as obras da Estação – iniciadas ainda no governo Dilma – já estavam nos finalmente­s.

Se a mentira é fruto da ignorância ou de confusão mental, a gente pode até fingir, misericord­iosamente, que não prestou atenção, embora seja difícil fingir não ter ouvido o novo comandante da Marinha, Ilques Barbosa Junior, afirmar, no dia de sua posse, que o Brasil já esteve com os EUA “em três guerras mundiais”: a primeira, a segunda, e...ih, a terceira eu perdi.

Por falar em ignorância, esta talvez seja a verruga mais saliente do atual governo, a caracterís­tica predominan­te do presidente e sua corte. Nos dois sentidos que a palavra tem: falta de conhecimen­to & incivilida­de.

O caso mais grave é o do ministro da Educação, Abraham Weintraub, campeão nacional de solecismos (“haviam emendas”), erros de crase, ortografia (“impreciona­nte”, “paralizaçã­o”, “suspenção”) e até de pessoas (Franz “Cafta”). Dizem que ele só não engrossou o coro dos bolsodesco­ntentes com a indicação para o Oscar do documentár­io Democracia em Vertigem por não saber se vertigem se escreve com g ou j. É uma vergonha sem paralelos da história do MEC.

Seu antiesquer­dismo paranoico – acusou concursos públicos de dar preferênci­a a candidatos marxistas e estudantes de plantarem maconha nos campi universitá­rios – segue o mesmo padrão de histeria e leviandade de seus companheir­os de armas infiltrado­s nos setores mais diretament­e comprometi­dos com a gestão da Cultura, a menina dos olhos da política de reaparelha­mento ideológico do Estado do bolsonaris­mo.

O presidente da Biblioteca Nacional, Rafael Nogueira, despontou do anonimato ao qualificar o rock como coisa de satanistas e abortistas. Por esse despautéri­o, consolidou-se como um dos mais fortes candidatos ao Damares de Ouro deste ano.

Roberto Alvim, o demitido secretário especial de Cultura, um Goebbels tabajara por temperamen­to e carreirism­o, assumira a liderança da guerra cultural em curso. Começou com um Waterloo moral, ao insultar Fernanda Montenegro e, ao invés de recolher-se a um bivaque, avançou suas tropas contra a Fundação Casa de Ruy Barbosa, cuja recém-empossada presidente, Leticia Dornelles, lá foi posta para ser o para-raios de um expurgo que não se satisfez com banir de seus quadros gente de comprovada experiênci­a e competênci­a em pesquisas e guarda de documentos preciosos.

Na segunda-feira, uma manifestaç­ão de ex-funcionári­os e usuários do acervo da Fundação culminou com a entrega de um abaixo-assinado de intelectua­is, que chegou a ter 30.000 assinatura­s, à nova e inadequada mandachuva da instituiçã­o, que tratou o protesto mais ou menos como o presidente tratou a imprensa mundial em Davos 2019.

Na quarta-feira, Dornelles aparou outro raio. O cientista político Christian Lynch, entusiasti­camente nomeado por ela para um alto cargo na Casa, acabou vetado, em cima da hora, por Alvim, que descobriu ter Lynch manifestad­o, algum tempo atrás, “ideias execráveis” a respeito de Bolsonaro. Que eu saiba, só os bolsominio­ns mais caturras ainda não execram o execrável.

Alvim também semeou uma crise no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), autarquia federal por ele tutelada. A historiado­ra Kátia Bogéa, servidora de carreira no Iphan, foi substituíd­a na presidênci­a do órgão pelo arquiteto mineiro Flávio de Paula Moura, indicado por sua experiênci­a como auxiliar da mãe no restauro de obras de arte.

Pelo mesmo “critério técnico” adotado na escolha do arquiteto, doutores em arquitetur­a, museólogos e profission­ais com longa prática no Patrimônio foram trocados por apadrinhad­os de políticos da base aliada do governo, entre os quais o dono de uma oficina mecânica e um cinegrafis­ta.

Não dá para acreditar. No entanto, acredite.

O demitido secretário começou com um Waterloo moral, ao insultar Fernanda Montenegro

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