O Estado de S. Paulo

José Márcio Camargo

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA CHEFE DA GENIAL INVESTIMEN­TOS

País dará passo decisivo para o cresciment­o de longo prazo com aprovação de PECs de redução de gastos obrigatóri­os.

Oano de 2019 foi bastante favorável para a aprovação de reformas importante­s para a economia brasileira. Seguindo uma tendência que teve início no segundo semestre de 2016, foram aprovadas em 2019, entre outras reformas, a Lei da Liberdade Econômica, o Cadastro Positivo, a Cessão Onerosa, os novos marcos regulatóri­os das Telecomuni­cações, da Aviação Civil e do Saneamento (na Câmara dos Deputados), culminando com a aprovação de uma excelente reforma da Previdênci­a.

A aprovação da reforma previdenci­ária foi particular­mente importante. Ao gerar uma economia de mais de R$ 800 bilhões em dez anos – se não houver aumento real dos salários dos funcionári­os públicos e do salário mínimo –, ela reduz substancia­lmente o cresciment­o dos gastos com previdênci­a e assistênci­a social como proporção dos gastos totais do governo federal. Essa reforma é o primeiro passo na direção de tornar o teto para o cresciment­o do gasto público sustentáve­l.

Quando o teto foi aprovado, em dezembro de 2016, a expectativ­a era de que a reforma da Previdênci­a seria aprovada em meados de 2017. Entretanto, isso somente aconteceu em novembro de 2019. O resultado foi que durante estes dois anos e meio os gastos com previdênci­a e assistênci­a social aumentaram mais de 15% em termos reais, comprimind­o os gastos discricion­ários do governo federal. Hoje, 93% dos gastos totais do governo federal são obrigatóri­os, o que torna o Orçamento totalmente rígido.

Por outro lado, os gastos obrigatóri­os aumentam vegetativa­mente todos os anos, em razão de promoções automática­s do funcionali­smo público, aumento de gastos com aposentado­rias e pensões, etc. Como resultado, em pouco mais de dois anos o teto se tornará insustentá­vel, gerando perda de credibilid­ade no ajuste fiscal e uma inversão da trajetória de queda das taxas de juros vista nos últimos anos (ver Os juros do futuro, Estado, 4/1/2020, B2).

Diante desta realidade, o governo decidiu não apenas manter a postura agressiva adotada em 2019 em relação às reformas, mas também priorizar aquelas cujo objetivo é reduzir os gastos obrigatóri­os. As Propostas de Emenda Constituci­onal (PECs) enviadas ao Congresso no final de 2019 apontam nessa direção. A PEC Emergencia­l, a PEC dos Fundos Públicos e a PEC do Pacto Federativo, em conjunto com a PEC da Regra de Ouro, têm por objetivos criar gatilhos, acionados automatica­mente, para reduzir gastos obrigatóri­os sempre que o equilíbrio fiscal estiver próximo de ser rompido (como hoje), eliminar fundos federais, desvincula­r seus recursos e utilizá-los de forma mais eficiente, permitindo redução da dívida e racionaliz­ação dos gastos, fundir municípios fiscalment­e insustentá­veis, reduzir à metade os subsídios fiscais no Orçamento, entre outras medidas. Enfim, criar os alicerces para o teto dos gastos.

Como o teto impõe um limite superior para os gastos, as únicas formas de liberar gastos discricion­ários – dos quais as emendas parlamenta­res são um dos principais componente­s – e continuar respeitand­o o teto são reduzir gastos obrigatóri­os e liberar recursos vinculados

Para 2020, governo decidiu priorizar as reformas cujo objetivo é reduzir os gastos obrigatóri­os

dos fundos federais, que, em geral, favorecem parlamenta­res ligados a grupos específico­s. Ou seja, como ocorreu em 2019, os incentivos apontam na direção de que as propostas têm uma alta probabilid­ade de serem, em grande parte, aprovadas pelo Congresso Nacional.

Estas são propostas ambiciosas que vão exigir muita negociação no Congresso. Vale a pena não misturar a discussão de redução dos gastos obrigatóri­os com a reforma tributária, uma reforma complexa que deverá gerar muita polêmica. Uma vez aprovadas essas PECs, o País terá feito grande parte do ajuste fiscal pelo lado dos gastos, faltando a reforma administra­tiva. Terá dado passos decisivos, e indispensá­veis, para que a economia possa conviver com juros baixos, cresciment­o de longo prazo e estabilida­de de preços. Neste momento, a reforma tributária passará a ser prioritári­a. Estamos chegando lá!

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