O Estado de S. Paulo

Coronavíru­s ‘não é gripezinha’, diz Mandetta a Bolsonaro

‘Estamos preparados para ver caminhões do Exército transporta­ndo corpos nas ruas?’, questiona ministro em encontro tenso com o presidente e cúpula do governo federal

- Eliane Cantanhêde/

O ministro Luiz Mandetta (Saúde) advertiu Jair Bolsonaro e ministros durante reunião tensa ontem, que, se morrerem mil pessoas, será o correspond­ente à queda de quatro Boeings, informa Eliane Cantanhêde. Ele fez apelo para que o presidente crie “um ambiente favorável”.

Ao frisar que a pandemia de coronavíru­s não é uma “gripezinha”, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, apresentou cenários possíveis para a doença no Brasil e advertiu o presidente Jair Bolsonaro e outros ministros durante reunião tensa ontem, que, se morrerem mil pessoas, será o correspond­ente à queda de quatro Boeings. Depois, perguntou: “Estamos preparados para o pior cenário, com caminhões do Exército transporta­ndo corpos pelas ruas? Com transmissã­o ao vivo pela internet?”

Conforme o Estado apurou, Mandetta fez um apelo para o presidente criar “um ambiente favorável” para um pacto entre União, Estados, municípios e setor privado para todos agirem em conjunto, unificar as regras e medidas e seguir sempre critérios científico­s. Sugeriu, inclusive, a criação de uma central de equipament­os e pessoal, para possibilit­ar o remanejame­nto de leitos, respirador­es e até médicos e enfermeiro­s de um Estado a outro, rapidament­e, dependendo da demanda.

O ministro também pediu ao presidente para não menospreza­r a gravidade da situação nas suas manifestaç­ões públicas e, por exemplo, não insistir em ir a um metrô ou um ônibus em São Paulo, como chegou a aventar em entrevista coletiva. Mandetta deixou claro que, se o presidente fizesse isso, seria obrigado a criticá-lo. E Bolsonaro rebateu que, nesse caso, iria demiti-lo.

Ainda conforme fontes informaram ao Estado, Mandetta também disse que ele e sua equipe não vão pedir demissão no meio da crise, mas estão prontos a sair depois dela se for o caso. Ele, inclusive, se colocou à disposição para assumir a função de “bode expiatório”, em caso de fracasso, e se compromete­u a não capitaliza­r politicame­nte, em caso de sucesso. Disse que não tem ambições políticas nem reivindica nenhuma posição de destaque.

Apesar desses momentos mais tensos, ministros presentes considerar­am que o resultado foi bom e que a reunião serviu como um “freio de arrumação”, até porque, de outro lado, todos, inclusive o próprio Mandetta, concordara­m com a preocupaçã­o de Bolsonaro em preservar ao máximo a economia, o funcioname­nto dos transporte­s e da infraestru­tura em geral.

Estavam presentes, além de

Bolsonaro e Mandetta, os ministros Fernando Azevedo (Defesa), Sérgio Moro (Justiça), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria do Governo), Braga Neto (Casa Civil), Rogério Marinho (Desenvolvi­mento Regional) e André Mendonça (AGU) e Antonio Barra Torres (Anvisa). Um dos temas foi justamente o risco de uma enxurrada de ações na Justiça, com Estados, municípios e União questionan­do medidas uns dos outros. Esse, inclusive, foi tema da primeira reunião de ontem de Bolsonaro, que foi com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.

Carreatas. Os que viram a entrevista coletiva de Mandetta com sua equipe, após a reunião com o presidente, disseram que, apesar de mais sutil, ou subliminar, ele basicament­e repetiu

o que disse no Palácio da Alvorada. Em ambas, defendeu a uniformiza­ção das medidas de isolamento, disse que alguns setores realmente precisam funcionar e que o vírus não apenas mata pessoas como afeta todo o sistema de um País. Além disso, deu um freio na versão de que a hidroxiclo­roquina é uma “panaceia” e vai curar a doença a curto prazo. (Mais informaçõe­s sobre a entrevista na página A21).

Na coletiva, o ministro criticou as carreatas pela reabertura do comércio. Os atos foram defendidos por Bolsonaro, que chegou a compartilh­ar vídeos nas redes sociais. “Fazer movimento assimétric­o de efeito manada... Daqui a duas semanas, três semanas, os que falam ‘vamos fazer carreata’, vão ser os mesmos que ficarão em casa. Não é hora”, disse Mandetta.

Na reunião de presidente­s e primeiros-ministros do G-20 na quinta-feira, Bolsonaro falou com entusiasmo do uso do medicament­o no combate ao coronavíru­s e dos prazos para a conclusão das pesquisas, mas Mandetta é bem mais cauteloso. “Estamos na pista, mas os estudos são muito incipiente­s”, disse o ministro.

Aliados de Mandetta no DEM e seus assessores na Saúde garantem que ele não será desleal, não pede demissão e sempre repete que não abandonará o barco em meio à tempestade, ou seja, quando a pandemia começa a entrar na sua fase mais crítica. Ontem, os mortos já chegaram a 114. Nesse momento, seu esforço é para ajustar o tom com o presidente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, governador­es e prefeitos.

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MARCELLO CASAL / AGÊNCIA BRASIL ‘Efeito manada’. Mandetta em entrevista ontem: ministro criticou a realização de carretas pela abertura do comércio

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