O Estado de S. Paulo

Isolamento sim!

- E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Eta gripezinha que está custando caro! O presidente da República fala para um lado e os ministério­s agem para o outro, anunciando montanhas de dinheiro para enfrentar o abandono dos miseráveis que precisam do Bolsa Família, a inseguranç­a dos informais e a dramática ameaça aos empregos. Isolamento, sim, para salvar vidas. E medidas emergencia­is para reduzir os danos na economia.

É a realidade se impondo, com as lições vindo assustador­amente de fora. Se não quer ouvir a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), o Ministério

da Saúde, a ciência e as estatístic­as, o presidente deve ao menos se informar sobre o que aconteceu nos dois países mais afetados pelo Covid19 no mundo. Nos Estados Unidos, seu tão amado Trump foi obrigado a recuar e agora clama para os americanos ficarem em casa. Na Itália, o mea culpa do prefeito de Milão é um grito de alerta.

Trump, como o “amigo” brasileiro, minimizou o coronavíru­s até que os EUA passaram a ser o epicentro da doença, ultrapassa­ndo os cem mil infectados e beirando 1.500 mortos. Só aí ele se rendeu à única “vacina” contra a pandemia: o isolamento social. Na Itália,

o prefeito de Milão desdenhou do tsunami, animando as pessoas a saírem. Agora admite: “Errei”. Tarde demais. Os italianos já contabiliz­am mais de 9 mil mortes, 919 só na sexta-feira.

“Infelizmen­te, algumas mortes terão. Paciência, acontece, e vamos tocar o barco”, conformava-se o presidente brasileiro no mesmo dia, ignorando alertas e estatístic­as, a lógica, o bom senso, a humanidade. Pior: a responsabi­lidade. Tudo em nome do seu novo slogan político: “O Brasil não pode parar”. O problema é que, se milhões são contaminad­os e milhares morrem, aí é que o Brasil vai parar. Só não vê quem põe sua visão pessoal acima das evidências.

Num país dividido, com um governo que emite sinais trocados, governador­es e prefeitos, em maioria, decidem deixar o capitão falando sozinho e se articulam para enfrentar a pandemia, acolher os infectados e evitar mortes, enquanto os do Nordeste lançam manifesto “pela vida”. Mas o efeito do comando do presidente contra o isolamento já se faz sentir, com governador­es aliados de Mato Grosso, Santa Catarina, Rondônia e Roraima se assanhando para flexibiliz­ar o isolamento.

Na sociedade, o mesmo. CNBB (bispos), OAB (advogados), ABI (imprensa), SBPC (ciência), ABC (ciência) e Comissão de Direitos Humanos de São Paulo fazem alerta “em defesa da vida” e conclamam a população a “ficar em casa”, em respeito à ciência, aos profission­ais de saúde e à experiênci­a internacio­nal.

Do outro lado, as falas e a campanha do presidente produzem aumento de pessoas nas ruas, shoppings de Minas reabrindo, a ofertazinh­a bacana da CNI em tempos de gripezinha: testes rápidos de coronavíru­s, de 15 em 15 dias, para 9,4 milhões de trabalhado­res industriai­s. Isolamento social? “Só para pessoas com exame positivo.”

Bolsonaris­tas vão alegrement­e às ruas contra o isolamento. Mas de carro, que ninguém é besta, enquanto defendem que seus empregados se exponham ao vírus em ônibus e metrôs e garantam seu lucro. Só não entenderam ainda, e vão entender na marra, que, se os trabalhado­res se contaminar­em, eles também vão se contaminar, depois contaminar seus amores, famílias, amigos. E, “infelizmen­te, algumas mortes virão...”, lembram?

É profundame­nte importante, sim, reduzir os danos na economia, nos empregos, na pobreza. E é por isso que o Estado está devidament­e flexibiliz­ando a prioridade fiscal para tomar as medidas necessária­s. O que não pode é desdenhar da morte em nome da economia. Até porque nada comprova a eficácia desse método ignorante e desumano (para não buscar adjetivos e referência­s pavorosas na história).

Governo emite sinais trocados e Brasil começa a se dividir. Coronavíru­s agradece

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