A responsabilização pelas mortes da pandemia
Caminhamos para o fim do avassalador primeiro trimestre do ano de 2020 com projeções de que viveremos tempos ainda mais sombrios nos meses seguintes. Cerca de 1/3 de toda a humanidade se encontra sob algum isolamento social, orientada por políticas públicas responsáveis e em conformidade com parâmetros internacionais e qualificadas análises científicas.
A Covid-19 ainda não atingiu severamente países do terceiro mundo, incluindo a África, e se encontra em grau inicial no segundo país mais populoso do mundo, a Índia.
Não se sabe ao certo o que virá pela frente, mas o que se percebe é que, com ineditismo na história da humanidade, todos os países estão enfrentando, do mesmo lado, um inimigo comum, o qual desafia potências e se infiltra sorrateiramente em cada minúsculo espaço à espera da próxima vítima, que, muito antes de saber, já terá disseminado a praga a um sem-número de pessoas.
Governos responsáveis, cientes dos gravíssimos efeitos econômicos e das deletérias e duradouras consequências sociais de suas decisões, marcham no front, com postura corajosa, certos de que não cabe timidez ou hesitação. O temor, portanto, de uma inevitável crise econômica não pode prevalecer ante a necessidade de preservar vidas.
Alguma reticência inicial de um ou outro governante cedeu ao inevitável caminho das amargas decisões que um verdadeiro líder há de tomar, se verdadeiramente ama o seu povo e se coloca os interesses de toda a nação acima de suas próprias ideologias, de suas animosidades pessoais, de seus preconceitos ou de sua ignorância.
Em poucas semanas, a se confirmarem os prognósticos, a população se dará conta, olhando para o passado, da responsabilidade assumida, deliberadamente, por seus governantes. E os julgará, de um modo ou de outro.
A par disso, a responsabilidade de cada um poderá ser medida no âmbito dos tribunais nacionais e internacionais, por ações que possam configurar, a depender das motivações e do âmbito de cognição de seus autores, crimes contra a humanidade.
No Estatuto de Roma, de 1998, prevê-se como crime contra a humanidade, qualquer ato cometido “no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil”, na forma de homicídios, extermínio, perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero. E, deixando em aberta a possibilidade de responsabilização, o Estatuto prevê também que constituem crimes contra a humanidade “outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental”.
Ao julgar o caso Herzog e outros vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos assentou o entendimento de que “os crimes contra a humanidade são um dos delitos reconhecidos pelo Direito Internacional, juntamente com os crimes de guerra, o genocídio, a escravidão e o crime de agressão. Isso significa que seu conteúdo, sua natureza e as condições de sua responsabilidade são estabelecidos pelo Direito Internacional, independentemente do que se possa estabelecer no direito interno dos Estados. A característica fundamental de um delito de Direito Internacional é que ameaça a paz e a segurança da humanidade porque choca a consciência da humanidade”.
Augura-se, em vozes e textos reproduzidos nas redes sociais, que de toda essa crise possa emergir uma Nova Ordem Mundial, balizada por comportamentos mais responsáveis, solidários, fraternais, dignos de serem qualificados como humanos. Por sua vez, será inevitável cobrar, com o rigor das leis, nacionais ou internacionais, a conta de quem se tenha colocado como um consciente entrave para a minoração dos efeitos dolorosos de que todos iremos padecer.