O Estado de S. Paulo

Uma guerra global

- EMAIL: CARTA@LOURIVALSA­NTANNA.COM LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS

No que se refere à forma de encarar o coronavíru­s, existem dois grupos de países no mundo. De um lado, os que não esperaram sua rede hospitalar entrar em colapso para entender a gravidade da ameaça. De outro, os que preferiram pagar para ver. No primeiro grupo destacam-se China, Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan, Alemanha, Reino Unido e Argentina. No segundo, Irã, Itália, Espanha, EUA e México. O Brasil ainda parece estar escolhendo em qual grupo deseja entrar.

A essa altura já deveríamos saber, por exemplo, que iniciativa­s empresaria­is para retomar as atividades econômicas, seja na forma de lobbies silencioso­s ou de carreatas barulhenta­s, não podem fazer as autoridade­s ceder, desconside­rando os dados de realidade. Basta olhar para a patética mea culpa do prefeito Giuseppe Sala, um mês depois de ter apoiado a campanha “Milão não para”. Na época, a Lombardia, região da qual Milão é a principal cidade, registrava 258 infectados. Na semana que passou, eram 34.889 casos e 4.861 mortes, segundo a Defesa Civil.

Não se trata de ignorar a importânci­a da economia. É o contrário disso.

Trata-se de analisar que tipo de interferên­cia, como e quando, o poder público é capaz de fazer, para que os danos na economia sejam os menores possíveis, assim como o número de doentes e de mortos. Próxima da China, a Coreia do Sul é um bom exemplo, porque é uma democracia, e com uma população das mais politizada­s. Há um mês, o país só perdia para a China em número de infectados, com novos casos beirando a 1 mil por dia.

Hoje, a Coreia do Sul está em décimo lugar no ranking mundial, e a proliferaç­ão está desacelera­ndo. O que os sul-coreanos fizeram? Em primeiro lugar, testes. Várias empresas foram rapidament­e licenciada­s para fabricar kits de testes. Com uma população de 51 milhões, a Coreia do Sul já realizou mais de 370 mil testes. Atualmente, o ritmo é de 10 mil por dia. A Alemanha estudou a Coreia do Sul e está aplicando 160 mil testes por semana.

Uma vez diagnostic­ada a doença, os profission­ais sul-coreanos fazem uma detalhada entrevista com o paciente: com quem se encontrou, que transporte público usou, que prédios frequentou e até o que comeu nas duas últimas semanas. As autoridade­s entram em contato pelo celular com os indivíduos que tiveram contato com o paciente, e também fazem avisos no transporte e nos prédios por onde ele passou. Além disso, reforçam as abordagens para medir a temperatur­a das pessoas e realizar questionár­ios nesses locais.

Essa estratégia foi usada também na China, Cingapura e Taiwan, com sucesso. Os sul-coreanos, assim como os chineses e japoneses, já estavam acostumado­s a usar máscaras, seja para não passar gripe para outras pessoas, para se proteger das doenças dos outros ou até da poluição. As medidas de contenção evitaram o colapso do sistema de saúde sul-coreano. O resultado disso foi que, dos 9.332 infectados até sexta-feira, apenas 139 morreram e 4.528 se recuperara­m.

As políticas foram tão eficazes que a Coreia do Sul nunca declarou isolamento forçado da população, nem mesmo na cidade de Daegu, sede da seita Shincheonj­i, onde a doença se disseminou. Não foi preciso obrigar a nada: o bom senso prevaleceu na população, incluindo esses fiéis e seus líderes religiosos, que não resistiram a suspender suas atividades.

Isso não se aplica a outros lugares, como igrejas evangélica­s no Estado americano da Louisiana, que sofre a proliferaç­ão mais rápida do mundo atualmente, com aumento diário de 40% de casos. Lá o governo baniu aglomeraçõ­es, mas alguns pastores desafiam a ordem, convictos de que a doença não chegará a seus rebanhos. E faltam testes e outros recursos nos EUA. O que tudo isso quer dizer é que as diferenças locais não devem servir de desculpa para o Brasil não tomar severas precauções. Até porque as diferenças não estão a favor do Brasil.

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