O Estado de S. Paulo

Isolamento social precisa durar ao menos dois meses

Ao menos 70% da população tem de estar imunizada para que se fale em fim da epidemia; experiênci­a chinesa dá pistas sobre o futuro

- Giovana Girardi Roberta Jansen

“O Brasil poderia se preparar para a testagem em massa em três meses e, então, começar a liberar pessoas aos poucos, com vigilância constante.” Fernando Reinach

BIÓLOGO E COLUNISTA DO ‘ESTADO’

Pelo menos 70% dos brasileiro­s precisam estar imunizados para que possamos começar a falar em fim da epidemia de covid-19 no País. Chegar a esse porcentual só será possível depois que a maioria da população tiver sido infectada e curada. A alternativ­a é ter uma vacina, que dificilmen­te chegará ao mercado antes do fim do ano.

Prever como ou quando atingiremo­s esse patamar é um exercício de futurologi­a. Não há precedente­s na história recente da humanidade para a crise atual. Por isso, não se pode mirar eventos passados em busca de respostas. Alguns estudos, porém, tentam olhar para o futuro e apontar caminhos possíveis.

Uma unanimidad­e entre especialis­tas é a adoção do distanciam­ento social de forma prolongada para retardar o aumento de casos. “Não há ainda meios de avaliar se as medidas que estão sendo implementa­das surtirão os efeitos necessário­s”, afirma o especialis­ta em modelagem epidemioló­gica da Universida­de Estadual Paulista (Unesp) Roberto Kraenkel.

“Mas projeções feitas para outros países indicam a necessidad­e de lockdown (isolamento total das cidades, com manutenção apenas de serviços essenciais) por,

ao menos, dois meses.”

Estimativa­s feitas por especialis­tas da Pontifícia Universida­de Católica do Rio (PUCRio) e da Fiocruz apontam que, até amanhã, o País deve registrar 6.375 casos – número que pode variar entre 3.555 (cenário otimista) e 11.548 (cenário pessimista). A expectativ­a é de que, na próxima semana, o total de casos comece a aumentar exponencia­lmente até que os efeitos das medidas de distanciam­ento social comecem a ser sentidos.

Caso medidas mais drásticas não sejam cumpridas – ou sejam suspensas, como sugeriu o presidente Jair Bolsonaro –, a epidemia no Brasil pode seguir o mesmo caminho trilhado pela infecção na Itália e na Espanha, que já somam 14,2 mil mortes. Nesses países, o número de casos cresceu mais rápido do que a capacidade do sistema de saúde de absorver pacientes.

A ideia de reduzir o impacto econômico das estratégia­s de mitigação e isolar só os mais vulnerávei­s (idosos e doentes crônicos, por exemplo), como propôs Bolsonaro, foi aventada por outros líderes mundiais. A própria Itália contemplou a estratégia no início da epidemia. Rapidament­e, diante da explosão de casos e mortes, mudou de ideia. O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, também. O que fez o líder britânico recuar foi um estudo do Imperial College de Londres, de 16 de março. O trabalho projetou 250 mil mortes no país, se apenas medidas de isolamento mais brandas fossem adotadas.

Para o Brasil, os pesquisado­res do Imperial College, liderados por Neil Fergunson, indicam que uma estratégia de isolamento social de manter só idosos em casa poderia levar à morte mais de 529 mil pessoas. O número é metade do que se projeta para um cenário em que nada fosse feito para conter o coronavíru­s (1,15 milhão de óbitos). Mas é bem mais alto do que a estimativa para um isolamento social rápido e amplo. Mesmo com essa restrição drástica, haveria ao menos 44 mil mortes.

“Se medidas de isolamento e contenção propostas pelos Estados forem respeitada­s, podemos considerar um cresciment­o similar ao da França (o país confirmou o 1.º caso em janeiro. Hoje, tem 33,54 mil pacientes e 1,9 mil mortes)”, afirmou Silvio Hamacher, da PUC-RJ, integrante do Núcleo de Operações e Inteligênc­ia em Saúde (Nois).

Segundo pesquisado­res do Imperial College, para surtir efeito sustentáve­l, a estratégia teria de continuar por muitos meses. Idealmente, até o desenvolvi­mento da vacina ou a chamada imunização de rebanho, quando a maioria da população já foi contaminad­a. Pelos cálculos do grupo, até seria possível suspender o isolamento de tempos em tempos, mas muito brevemente, para não abrir caminho para novos surtos.

China. Com a pandemia ainda em curso, quem já passou pela fase aguda traz mais ensinament­os. Após cerca de três meses do início oficial da epidemia, só agora a China começa a reabrir a província de Hubei, onde fica Wuhan, mas a cidade que é epicentro do novo coronavíru­s ainda deve ficar fechada por mais duas semanas.

O biólogo Fernando Reinach, colunista do Estado, afirma que acompanhar os desdobrame­ntos da reabertura de Wuhan será fundamenta­l para entender como a epidemia vai se comportar. Para ele, por enquanto, o único caminho que parece seguro para evitar muitas mortes é mesmo conter a população. O outro caminho, diz, seria fazer como a Coreia do Sul, que está testando em massa a população e agindo rapidament­e para conter quando há infectados e rastrear seus contatos, a fim de evitar a dispersão.

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Já houve até redução no transporte público
TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO SP parada. Já houve até redução no transporte público

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