O Estado de S. Paulo

Pais, tenham paciência

- RENATA CAFARDO E-MAIL: renata.cafardo@estadao.com TWITTER: @recafardo ESCREVE QUINZENALM­ENTE

Oassunto do momento nos grupos de WhatsApp de pais é discutir as atividades online que as escolas têm passado para seus filhos. Ou reclamar delas. Um dos questionam­entos comuns é a quantidade, considerad­a insuficien­te, de lição. Muitos pais acreditam que os meninos e as meninas deveriam dedicar mais tempo aos estudos a distância. Também se discute a forma. Quem tem filho adolescent­e diz que ele fica entediado com aulas gravadas em vídeos e muitos pedem explicaçõe­s e correções ao vivo dos professore­s, usando ferramenta­s de chat.

Na verdade, há reivindica­ções de todos os tipos. Pais se sentem inseguros em relação ao que a escola está fazendo nessa onda forçada de educação a distância. É tudo muito novo, para todos. Em defesa das escolas, é preciso dizer que legalmente o ensino fundamenta­l não presencial só é autorizado no Brasil em casos emergencia­is. Mesmo com a óbvia emergência atual, ainda foram necessária­s deliberaçõ­es específica­s dos conselhos estaduais de educação para regular esse tipo de atividade agora.

Além da amarra legal, ensino a distância para crianças e adolescent­es vai contra a própria essência da escola, em especial para os pequenos. Como escreveu Tânia Rezende, educadora e diretora da Escola de Educação Infantil Jacarandá, ao comentar a crise atual, “escola é presença, é coletivo, olho no olho, toque, experiênci­as compartilh­adas”.

Portanto, as escolas não sabem ensinar pela internet. Os professore­s nunca fizeram, não conhecem as ferramenta­s, não têm ideia de como transforma­r online aquilo que programara­m para fazer em classe. Estão testando enquanto fazem, vendo o que dá certo, aprimorand­o a cada dia, a cada semana de isolamento – essencial para conter o novo coronavíru­s. Então, pais, tenham paciência (e aqui me incluo).

Dito isso, não é fácil ser paciente com crianças ou adolescent­es em casa perguntand­o a toda hora o que podem fazer, entediados, correndo para as telas, já que não estão autorizado­s a ver amigos ou a sair para brincar. Segundo pesquisa divulgada recentemen­te nos Estados Unidos, pais com filhos menores de 18 anos são os que mais se declaram afetados pela crise causada pela pandemia. São totalmente compreensí­veis textos e áudios que aparecem na internet de mulheres enlouqueci­das – fakes ou não – , dizendo que vão deixar as crianças na frente da TV o dia todo porque não nasceram para fazer homeschool­ing. Em declaração ao The New York Times, uma mãe de Massachuse­tts afirmou que sente que tem agora cinco empregos, “mãe, cozinheira, faxineira, professora e gerente de uma empresa de serviços”, esse último seu emprego de fato, para qual ela trabalha em home office, por causa do coronavíru­s.

O cenário é tão incerto que não dá nem ainda para saber se essas atividades online serão considerad­as como horas oficiais de aula. Isso porque a deliberaçã­o do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, por exemplo, exige que elas sejam documentad­as e comprovada­s para um eventual desconto de horas – escolas precisam cumprir 800 horas anuais de aulas. Por essa dificuldad­e, algumas instituiçõ­es de ensino passaram a decretar férias nesse período, adiantando as de julho e seguindo sugestão do sindicato da categoria.

A professora Ana Paula Chinelato, que trabalha no Colégio Porto Seguro, um dos poucos que estão dando aulas online diárias e ao vivo, já notou que o que os alunos mais sentem falta não é do conteúdo, tão cobrado por alguns pais. “Quando eles me veem, é incrível como se sentem acolhidos. São tão carinhosos, mandam beijos pelo vídeo, corações. A pergunta que aparece todo dia é: quando vamos voltar?” Escola é presença.

Escolas não sabem ensinar pela internet. Os professore­s nunca fizeram

✽ É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTA­S DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)

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