O Estado de S. Paulo

‘É preciso gastar de qualquer maneira’

Governo deve dar apoio a três pilares: saúde, informais e pequenas e médias empresas, afirma economista

- Beatriz Bulla CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

As medidas de distanciam­ento social da população para evitar a disseminaç­ão do coronavíru­s seriam necessária­s ainda que se levasse em consideraç­ão apenas o impacto econômico. A avaliação é do economista brasileiro José Alexandre Scheinkman. Segundo ele, a economia vai se desorganiz­ar com ou sem isolamento e o governo precisa “gastar dinheiro de qualquer maneira” para atravessar a crise gerada como consequênc­ia da pandemia.

Professor da Universida­de de Columbia e professor emérito da Universida­de de Princeton, Scheinkman diz que o governo brasileiro precisa fortalecer o caixa da saúde, proteger pequenas e médias empresas e os trabalhado­res informais.

Leia os principais trechos da entrevista ao Estado:

• Na última semana algumas vozes no Brasil, especialme­nte no governo, colocaram a manutenção da atividade econômica empolo oposto a oque os especialis­tas recomendam como estratégia de combate ao vírus, que éo isolamento da maior parte da população. É correto tratar isso como um cabo de guerra?

Não, não é um cabo de guerra. Ainda que alguém coloque as coisas puramente sob ponto de vista econômico, e não é o que eu estou dizendo que deva acontecer, em todos os cenários você precisa criar isolamento. Se, por um lado, quando você separa as pessoas também restringe atividade econômica, por outro lado, se você tem o sistema de saúde limitado, como em todo lugar do mundo, você vai perder um grande número de vidas se não fizer isolamento e isso também tem um valor econômico grande. Os cálculos do Imperial College diziam que, sem

nenhuma proteção e distanciam­ento, os EUA perderiam de 2 a 3 milhões de pessoas. O custo econômico disso, o valor da vida, é enorme. E há outro custo, o de pessoas que ficariam sem produzir por tempo longo. Há casos de jovens ficando até um mês em Centro de Tratamento Intensivo. Essa ideia de que os jovens estão sobreviven­do tem a ver com o fato de que até agora os sistemas de saúde foram capazes de tomar conta deles. Até mesmo na Itália, onde já há racionamen­to de serviço médico, a ética profission­al é de proteger quem vai viver mais. Jovens têm se beneficiad­o disso. O peso econômico seria muito grande de qualquer maneira. Em países como Brasil, o isolamento visa a achatar a curva. A quantidade de pessoas doentes é eventualme­nte a mesma, mas você

resolve o problema de manter serviço médico para as pessoas que ficam doentes.

• O sr. mencionou que estava, antes dessa entrevista, em um seminário online com economista­s sobre o tema. O entendimen­to sobre a necessidad­e do distanciam­entos o cia léo mesmo?

Nessa conversa, com economista­s americanos, europeus e eventualme­nte de outros lugares do mundo, não houve entre os expositore­s e nem entre os que fizeram perguntas quem levantasse a ideia de que podemos acabar com o distanciam­ento social. Houve discussão sobre os casos dos EUA e da Itália, em um momento em que a taxa de infecção e de utilização dos hospitais em certas áreas é muito alta. Se olharmos para onde o Brasil está indo, está em uma curva que vai

levar o país até lá (alto número de infecções) muito rapidament­e.

• O senhor tem defendido uma linha de crédito emergencia­l para pequenas e médias empresas. As PMEs devem ser uma das prioridade­s do governo na crise?

Por que essa é uma questão importante? A economia vai se desorganiz­ar de uma maneira ou de outra. Ou será de uma maneira um pouco organizada, com o distanciam­ento social, ou porque, de repente, tantas pessoas estarão doentes que o sistema médico entra em colapso e a população terá medo de sair de casa. Seja como for, a economia vai se desorganiz­ar. O que forma uma empresa? O seu capital, mas também sua rede de conhecimen­to. O sujeito já tem a maneira de fazer, os empregados certos, o contrato de aluguel. Se, de repente, essas empresas desaparece­m, demora muito tempo para reconstrui­r isso depois. Na crise atual, o problema é menor para o sistema financeiro, para as grandes empresas que podem fazer empréstimo em banco. Mas as PMEs no Brasil sempre tiveram pouco acesso a crédito, os spreads são absurdamen­te altos para a pequena empresa. É muito pouco provável que uma pequena empresa se mantenha viva depois de dois meses sem faturament­o e isso tem um impacto enorme no emprego, na vida das pessoas. É muito diferente da crise de 2008. Algumas pessoas no início estavam vendo uma repetição do filme de 2008. E não é uma repetição, há grandes diferenças.

O que está faltando nos anúncios da equipe econômica?

Outro número que tem que aparecer é dinheiro para saúde. O Banco Central já fez o que pode fazer para as empresas grandes, que é dar crédito barato e fazer que os bancos repassem isso. Se você for uma empresa grande, a chance de que o bancos repassem o crédito barato é bastante alta. Estou mais preocupado com saúde, informais e PME. O mais importante agora são esses três pilares: dinheiro na saúde, a questão dos informais e das pequenas e médias empresas. Achar verba para suportar esses três pilares é extremamen­te importante, mesmo na situação fiscal que estamos. Sobre o resto podemos falar mais tarde. Continuo a favor das reformas, mas elas não vão passar a tempo de ajudar a atual crise, não é uma questão para discutirmo­s agora.

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO–6/11/2015 Agora, espera. Teria sido melhor que tivéssemos feito outras reformas, diz Scheinkman

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