Inteligência artificial é arma contra coronavírus
Algoritmos podem ajudar a entender avanço do vírus pelo mundo, servir para detectar prioridades em leitos de hospitais e até mesmo gerar métodos alternativos de confirmação de casos; encontrar dados confiáveis, porém, é o grande entrave para criação dos sistemas
Enquanto autoridades e profissionais de saúde de todo o mundo estão na linha de frente no combate ao novo coronavírus, pesquisadores, cientistas e empresas de tecnologia tentam acelerar a aplicação de inteligência artificial (IA) para lutar contra a covid19. Nos últimos anos, a tecnologia passou a ser vista como uma das ferramentas essenciais da medicina do futuro. Agora, com um enorme desafio pela frente, a área tem a chance de se provar uma arma fundamental no presente.
Foram algoritmos que detectaram o surgimento de uma nova doença respiratória em Wuhan, na China. Em 31 de dezembro – nove dias antes do primeiro comunicado oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS) –, a firma canadense Bluedot fez um alerta sobre a doença. A empresa é dona de um algoritmo que varre milhares de fontes de dados, de documentos de autoridades a publicações médicas, em busca de informações sobre doenças e sua capacidade de proliferação.
A técnica, chamada de processamento de linguagem natural (NLP), faz com que a máquina identifique e compreenda texto, o que é poderoso para análise de muitas fontes de informação ao mesmo tempo. Agora, essa técnica está sendo aplicada para encontrar os melhores métodos de tratamento e cura para o coronavírus.
Há duas semanas, a Casa Branca lançou um desafio junto de Microsoft e Google para a análise de 29 mil artigos médicos. “A IA é fundamental para a educação médica, ao compilar e selecionar a literatura mais importante. É impossível para um médico humano acompanhar tudo o que é publicado”, diz o radiologista Gustavo Meirelles, membro do Advanced Institute for Artificial Intelligence (AI²) e gestor de inovação do Grupo Fleury.
Ao garimpar tantos estudos, a IA pode indicar os melhores caminhos para combater e tratar a doença. O supercomputador Summit, da IBM, fez milhares de simulações e afirma ter achado 77 compostos com potencial para combater o vírus. Outras iniciativas do tipo envolvem universidades americanas e até a Petrobrás – na última semana, a empresa direcionou dois de seus supercomputadores para pesquisas com a Universidade Stanford (EUA).
Alternativa.
Com o crescimento de casos da doença e os hospitais ficando lotados, a análise de informações e predição de resultados se tornam cruciais para decisões rápidas. Hoje, a inteligência artificial pode ajudar na triagem e até mesmo desenvolver novos métodos de diagnóstico.
Um consórcio entre hospitais, grupos de saúde e empresas de tecnologia, liderado pelo Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo, está testando um algoritmo para analisar imagens de tomografia de pulmões para tentar diagnosticar casos de covid-19. Na China, a gigante Alibaba diz ter desenvolvido um algoritmo similar, capaz de identificar em 20 segundos a presença do novo coronavírus em exames de imagem do pulmão, com índice de acerto de 96%.
“A covid-19 deixa o pulmão com aspecto de vidro fosco”, explica Gustavo Araújo, cofundador da empresa de inovação Distrito, parceira do HC em um hub dedicado a startups de saúde. “Pela falta de testes no Brasil, a análise de tomografia pode ser uma opção para um diagnóstico correto, se estiver ligada a sintomas do coronavírus, como tosse seca e febre.”
Segundo Araújo, o algoritmo deve estar pronto em no máximo 30 dias e poderá ser usado por qualquer unidade de saúde. “Fazer um algoritmo é caro, mas aplicá-lo é acessível. Basta ter uma conexão de internet”, explica o médico Guilherme Salgado, presidente executivo da startup de saúde 3778.
Recursos.
Se for munida de dados de qualidade, a IA pode também ajudar a predizer a gravidade de casos – e, assim, administrar melhor recursos do sistema de saúde. Pacientes com chance de terem quadro grave poderão receber tratamento intensivo imediato, mesmo que isso não seja aparente num primeiro momento. O Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (Labdaps) da USP já tem algoritmos capazes de prever a mortalidade de idosos em condições específicas, conforme estudo publicado em 2019. Agora os 20
“Os dados são fundamentais, porque é a partir deles que é possível entender o perfil dos casos atendidos e então projetar a demanda futura.” Sidney Klajner
PRESIDENTE DO HOSPITAL ISRAELITA ALBERT EINSTEIN
pesquisadores do Labdaps estão de plantão trabalhando para receber dados e adaptar o sistema ao contexto do coronavírus.
Não é mágica: a IA pode analisar diferentes fatores para dar estimativas de gravidades de casos e propor tratamentos personalizados. As correlações podem passar longe do óbvio – afinal, o
sistema calcula as probabilidades a partir do que aprende e enxerga como “casos similares”. Ter outras doenças ou “histórico de atleta” são fatores simplistas demais aos olhos da máquina. “O algoritmo pode tomar decisões complexas, que envolvem muitos fatores e interações de variáveis. A máquina entende nuances”, diz Alexandre Chiavegatto Filho, diretor do Labdaps (leia mais abaixo).
Já o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, está usando inteligência artificial para prever quantos pacientes com covid-19 precisarão de leitos. “Estamos pesquisando uma maneira de usar IA para detectar os casos que possam vir a piorar”, diz Sidney Klajner, presidente do hospital. Segundo
ele, parâmetros como idade, histórico clínico e até local de residência podem entrar na conta da necessidade de um leito. Além disso, com base em dados de outros países, o hospital usou algoritmos para projetar até a quantidade necessária de luvas e álcool gel.
Desafio.
A quantidade de dados disponíveis sobre o coronavírus é outro obstáculo para o uso de IA na luta contra a doença. “Os dados são fundamentais, porque é a partir deles que é possível entender o perfil dos casos atendidos e então projetar a demanda futura”, diz Klajner. “Para ter dados com a qualidade, a granularidade e a frequência necessárias é preciso investir em prontuários eletrônicos adequados e na cultura de registro de dados pelas equipes médicas.”
Aplicar dados e algoritmos de outros países pode não ser suficiente: são informações que refletem características que nem sempre serão encontradas no Brasil – seja por conta da distribuição etária, das condições de vida e até mesmo a reação do vírus a diferentes tipos de clima.
“Estamos aguardando os dados do Brasil. Acredito que vai dar tempo de gerarmos essas informações e colocarmos algoritmos em prática”, diz Chiavegatto, em otimismo que contrasta com relatos de que há casos de subnotificação relacionados à doença no País. Ele ressalta: “Estamos abertos aos contatos de quaisquer instituições que queiram compartilhar informações”.