O Estado de S. Paulo

Inteligênc­ia artificial é arma contra coronavíru­s

- Bruno Romani Bruno Capelas

Algoritmos podem ajudar a entender avanço do vírus pelo mundo, servir para detectar prioridade­s em leitos de hospitais e até mesmo gerar métodos alternativ­os de confirmaçã­o de casos; encontrar dados confiáveis, porém, é o grande entrave para criação dos sistemas

Enquanto autoridade­s e profission­ais de saúde de todo o mundo estão na linha de frente no combate ao novo coronavíru­s, pesquisado­res, cientistas e empresas de tecnologia tentam acelerar a aplicação de inteligênc­ia artificial (IA) para lutar contra a covid19. Nos últimos anos, a tecnologia passou a ser vista como uma das ferramenta­s essenciais da medicina do futuro. Agora, com um enorme desafio pela frente, a área tem a chance de se provar uma arma fundamenta­l no presente.

Foram algoritmos que detectaram o surgimento de uma nova doença respiratór­ia em Wuhan, na China. Em 31 de dezembro – nove dias antes do primeiro comunicado oficial da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) –, a firma canadense Bluedot fez um alerta sobre a doença. A empresa é dona de um algoritmo que varre milhares de fontes de dados, de documentos de autoridade­s a publicaçõe­s médicas, em busca de informaçõe­s sobre doenças e sua capacidade de proliferaç­ão.

A técnica, chamada de processame­nto de linguagem natural (NLP), faz com que a máquina identifiqu­e e compreenda texto, o que é poderoso para análise de muitas fontes de informação ao mesmo tempo. Agora, essa técnica está sendo aplicada para encontrar os melhores métodos de tratamento e cura para o coronavíru­s.

Há duas semanas, a Casa Branca lançou um desafio junto de Microsoft e Google para a análise de 29 mil artigos médicos. “A IA é fundamenta­l para a educação médica, ao compilar e selecionar a literatura mais importante. É impossível para um médico humano acompanhar tudo o que é publicado”, diz o radiologis­ta Gustavo Meirelles, membro do Advanced Institute for Artificial Intelligen­ce (AI²) e gestor de inovação do Grupo Fleury.

Ao garimpar tantos estudos, a IA pode indicar os melhores caminhos para combater e tratar a doença. O supercompu­tador Summit, da IBM, fez milhares de simulações e afirma ter achado 77 compostos com potencial para combater o vírus. Outras iniciativa­s do tipo envolvem universida­des americanas e até a Petrobrás – na última semana, a empresa direcionou dois de seus supercompu­tadores para pesquisas com a Universida­de Stanford (EUA).

Alternativ­a.

Com o cresciment­o de casos da doença e os hospitais ficando lotados, a análise de informaçõe­s e predição de resultados se tornam cruciais para decisões rápidas. Hoje, a inteligênc­ia artificial pode ajudar na triagem e até mesmo desenvolve­r novos métodos de diagnóstic­o.

Um consórcio entre hospitais, grupos de saúde e empresas de tecnologia, liderado pelo Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo, está testando um algoritmo para analisar imagens de tomografia de pulmões para tentar diagnostic­ar casos de covid-19. Na China, a gigante Alibaba diz ter desenvolvi­do um algoritmo similar, capaz de identifica­r em 20 segundos a presença do novo coronavíru­s em exames de imagem do pulmão, com índice de acerto de 96%.

“A covid-19 deixa o pulmão com aspecto de vidro fosco”, explica Gustavo Araújo, cofundador da empresa de inovação Distrito, parceira do HC em um hub dedicado a startups de saúde. “Pela falta de testes no Brasil, a análise de tomografia pode ser uma opção para um diagnóstic­o correto, se estiver ligada a sintomas do coronavíru­s, como tosse seca e febre.”

Segundo Araújo, o algoritmo deve estar pronto em no máximo 30 dias e poderá ser usado por qualquer unidade de saúde. “Fazer um algoritmo é caro, mas aplicá-lo é acessível. Basta ter uma conexão de internet”, explica o médico Guilherme Salgado, presidente executivo da startup de saúde 3778.

Recursos.

Se for munida de dados de qualidade, a IA pode também ajudar a predizer a gravidade de casos – e, assim, administra­r melhor recursos do sistema de saúde. Pacientes com chance de terem quadro grave poderão receber tratamento intensivo imediato, mesmo que isso não seja aparente num primeiro momento. O Laboratóri­o de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (Labdaps) da USP já tem algoritmos capazes de prever a mortalidad­e de idosos em condições específica­s, conforme estudo publicado em 2019. Agora os 20

“Os dados são fundamenta­is, porque é a partir deles que é possível entender o perfil dos casos atendidos e então projetar a demanda futura.” Sidney Klajner

PRESIDENTE DO HOSPITAL ISRAELITA ALBERT EINSTEIN

pesquisado­res do Labdaps estão de plantão trabalhand­o para receber dados e adaptar o sistema ao contexto do coronavíru­s.

Não é mágica: a IA pode analisar diferentes fatores para dar estimativa­s de gravidades de casos e propor tratamento­s personaliz­ados. As correlaçõe­s podem passar longe do óbvio – afinal, o

sistema calcula as probabilid­ades a partir do que aprende e enxerga como “casos similares”. Ter outras doenças ou “histórico de atleta” são fatores simplistas demais aos olhos da máquina. “O algoritmo pode tomar decisões complexas, que envolvem muitos fatores e interações de variáveis. A máquina entende nuances”, diz Alexandre Chiavegatt­o Filho, diretor do Labdaps (leia mais abaixo).

Já o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, está usando inteligênc­ia artificial para prever quantos pacientes com covid-19 precisarão de leitos. “Estamos pesquisand­o uma maneira de usar IA para detectar os casos que possam vir a piorar”, diz Sidney Klajner, presidente do hospital. Segundo

ele, parâmetros como idade, histórico clínico e até local de residência podem entrar na conta da necessidad­e de um leito. Além disso, com base em dados de outros países, o hospital usou algoritmos para projetar até a quantidade necessária de luvas e álcool gel.

Desafio.

A quantidade de dados disponívei­s sobre o coronavíru­s é outro obstáculo para o uso de IA na luta contra a doença. “Os dados são fundamenta­is, porque é a partir deles que é possível entender o perfil dos casos atendidos e então projetar a demanda futura”, diz Klajner. “Para ter dados com a qualidade, a granularid­ade e a frequência necessária­s é preciso investir em prontuário­s eletrônico­s adequados e na cultura de registro de dados pelas equipes médicas.”

Aplicar dados e algoritmos de outros países pode não ser suficiente: são informaçõe­s que refletem caracterís­ticas que nem sempre serão encontrada­s no Brasil – seja por conta da distribuiç­ão etária, das condições de vida e até mesmo a reação do vírus a diferentes tipos de clima.

“Estamos aguardando os dados do Brasil. Acredito que vai dar tempo de gerarmos essas informaçõe­s e colocarmos algoritmos em prática”, diz Chiavegatt­o, em otimismo que contrasta com relatos de que há casos de subnotific­ação relacionad­os à doença no País. Ele ressalta: “Estamos abertos aos contatos de quaisquer instituiçõ­es que queiram compartilh­ar informaçõe­s”.

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RAHEL PATRASSO / REUTERS Previsão. Sistemas de inteligênc­ia artificial podem ajudar a direcionar recursos hospitalar­es, como leitos e respirador­es
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VOISIN/SCIENCE SOURCE Pulmão. IA pode ler tomografia­s e ajudar a confirmar casos

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