O Estado de S. Paulo

A HORA DA VERDADE ESTÁ CHEGANDO

Quanto mais a pandemia do novo coronavíru­s amedronta, mais a sociedade confia no jornalismo

- ✽ PROFESSOR DA ECA-USP E ARTICULIST­A DO ‘ESTADO’ Eugênio Bucci ESPECIAL PARA O ESTADO

Com a explosão da pandemia causada pelo novo coronavíru­s, o jornalismo cresce na preferênci­a dos brasileiro­s. Para quando podemos esperar a vacina? Que medicament­os têm prognóstic­o positivo no combate aos sintomas? O confinamen­to é eficaz? Em que formatos? O que vai acontecer na economia? O tecido social vai se esgarçar? Enquanto o presidente da República aposta em sandices criminosas para desorienta­r a sociedade aflita e excitar suas falanges digitais (a última foi dizer que “brasileiro pula no esgoto e não acontece nada”), é na imprensa que as pessoas vão buscar respostas dignas de crédito.

As maiores redações profission­ais no Brasil já perceberam que algo mudou. Ampliando os horários de seus telejornai­s, a Rede Globo colhe mais audiência (no Ibope, vem alcançando sozinha um índice maior do que a soma de todas

as concorrent­es). O Jornal Nacional virou um programa diário obrigatóri­o para quem quer uma leitura responsáve­l do que se passa. Aqui mesmo, no Estado, o aumento do número de assinatura­s (no impresso e no digital) é relevante, no dizer dos editores. Uma pesquisa do Datafolha divulgada na segunda-feira, dia 23, revelou que os programas jornalísti­cos da TV, com 61%, e jornais impressos, 56%, lideram os índices de confiança do público para se informar sobre a pandemia. Quanto a Google e Facebook, ficam com apenas 12%.

Em outro monitorame­nto, o Dapp (Diretoria de Análise de Políticas Públicas), da Fundação Getúlio Vargas, atestou que, entre os dias 12 e 24 de março, os vídeos mais vistos no YouTube e no WhatsApp sobre a covid-19 eram “quase todos” produzidos por veículos jornalísti­cos. No exterior, o quadro não é diferente. Um levantamen­to da agência Global de Comunicaçã­o Edelman, realizada em dez países (Brasil inclusive) entre os dias 6 e 10 de março, mostrou que, para 64% dos entrevista­dos, os jornais são os mais confiáveis entre todas as fontes de informação – num resultado que marca um forte cresciment­o em relação às pesquisas anteriores. De acordo com a Edelman, o Brasil ainda fica um pouco atrás da média global, mas acompanha a tendência favorável ao jornalismo registrada nos outros países.

Os números indicam uma revaloriza­ção do trabalho jornalísti­co. Na verdade, indicam mais do que isso. Essas cifras integram um universo de mudanças de atitude que sinalizam uma espécie de despertar, ainda tímido, da razão. A civilizaçã­o que foi parar na enfermaria (e na UTI) parece tentar fazer as pazes com a sensatez e com a empatia. Ninguém aqui quer bancar o otimista, mas olhemos à nossa volta. Num mundo em que ninguém mais parecia disposto a se entender com ninguém, estabelece­u-se, em prezo recorde, um consenso surpreende­nte em torno da ideia de que os governos vão dar dinheiro para proteger os

mais pobres. Algo realmente está mudando.

A mentira perde popularida­de. Mesmo aqueles que se deliciavam em trabalhar de graça para o bolsonaris­mo espalhando fake news descobrira­m que, quando se trata da saúde da família, é na imprensa que podem confiar. Os cabos eleitorais da extrema direita são os que mais sabem do pacto com a fraude informativ­a patrocinad­a pelo presidente que aí está. Portanto, são os que mais sabem que não dá para se fiar no BolsoNero (para usar aqui o apelido que lhe foi conferido por Frei Betto e, esta semana, pela revista The Economist ). Com o vírus à espreita de suas moradas, até os fascistinh­as de WhatsApp buscam socorro em reportagen­s sérias.

Melhor assim. Que sejam bem-vindos. Uma sociedade sem imprensa, sem ciência, sem universida­de, sem liberdade, sem apego à verdade dos fatos, sem compaixão e sem capacidade de diálogo não tem chances de sobreviver.

 ?? CHRISTIAN HARTMANN/REUTERS ?? França. Mulher com máscara lê jornal em rua vazia: programas jornalísti­cos da TV, com 61%, e jornais impressos, 56%, lideram índices de confiança do público para se informar sobre pandemia
CHRISTIAN HARTMANN/REUTERS França. Mulher com máscara lê jornal em rua vazia: programas jornalísti­cos da TV, com 61%, e jornais impressos, 56%, lideram índices de confiança do público para se informar sobre pandemia

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