AS CRIANÇAS E SUAS EMOÇÕES
Especialistas indicam caminhos para um isolamento mais tranquilo
Pais devem falar sobre a doença e o isolamento para atenuar a ansiedade.
O novo coronavírus e a quarentena estabelecida para se proteger da infecção fizeram com que vários planos fossem adiados. Um adulto entende bem o motivo de ter de se reprogramar. Mas as crianças podem ter dificuldade de compreender o que se passa após ter sua rotina de brincadeiras e encontros com amigos e parentes quebrada de forma abrupta. Especialistas em psicologia clínica e educação afirmam que o momento é desafiador para os pais e recomendam que eles, além de explicar o que está acontecendo com carinho, acolham o sofrimento e as dúvidas dos filhos.
Com o perigo da doença, a psicóloga clínica e coach infantil Vanessa Trovões, de 39 anos, adiou a festa de aniversário conjunta das filhas, de 7 e 3 anos. De forma tranquila, ela explicou para a mais velha o que estava acontecendo e que era necessário proteger as pessoas no momento. “Criamos estratégias para ela decidir que não teria festa. Aí ela mesma perguntou que, se pode faltar gente, não era melhor fazer outro dia. A gente queria diminuir o máximo de frustração para ela”, afirma Vanessa, que está estudando o impacto do isolamento por conta da profissão.
Ansiedade.
A anestesiologista Flávia Pinheiro, de 44 anos, tem um filho de 6. Ao saber de notícias sobre as consequências do novo coronavírus, a criança teve uma crise de ansiedade. “Ele começou a ficar desesperado, falando que ia morrer. Não vemos noticiários de TV perto dele, mas as crianças pescam. Isso me deixou preocupada, porque ele é muito novo. O lado negativo de tantas informações gera ansiedade”, diz Flávia, que decidiu bloquear qualquer tipo de informação sobre a doença. Depois de uma conversa, conseguiu tranquilizá-lo. “Disse que era só uma gripe e que não ia acontecer nada com ele, nem com a mamãe ou o papai.”
Mãe de um adolescente de 14 anos e de um menino de 6, a administradora e fotógrafa Giuliana Sagulo, de 45, conta que o mais novo está com saudade dos avós, que são muito próximos, e pergunta quando poderá vê-los. Como o maior já se entretém sozinho, ela fica mais perto da criança. “Ele fica preocupado quando eu tenho de sair para o mercado, para eu não colocar a mão nas coisas. Percebo que nos pequenos começa uma ansiedade precoce, que até ontem eles não tinham”, ressalta. Giuliana conta que outro desafio tem sido coordenar as propostas da escola, por não ter familiaridade com algumas ferramentas digitais.
Sentimento legítimo.
A psicóloga, consultora educacional e colunista do Estado, Rosely Sayão, afirma que o ideal é que os pais demonstrem que estão percebendo a ansiedade dos filhos e que o sentimento é legítimo. “É preciso encorajar, dizer que mais tarde vai poder fazer as coisas e encontrar os colegas. O que não pode é fazer pouco do sofrimento, dizer ‘que bobagem que os colegas não podem vir agora’.” Rosely também recomenda que se estabeleçam rituais em família, como reunir todos para o almoço.
A opinião sobre manter os costumes familiares é compartilhada pela psicóloga clínica Larissa Bacelete. Ela afirma que é importante que os pais tentem explicar para a criança por que a rotina mudou tanto e sugere que se converse com os pequenos sobre o porquê do isolamento. “Pode falar da doença em uma linguagem que a criança possa entender, não é preciso entrar em detalhes. Os pais podem ter receio de falar de um assunto mais sério porque acham que a criança não vai entender ou vai se assustar. Mas mais prejudicial é ela não entender e ficar com questionamentos. Quando ninguém explica, se torna angustiante.”
Professora da pós-graduação da Faculdade de Educação da USP, Silvia Colello afirma que, neste período de isolamento, é preciso proporcionar atividades de convivência para as crianças. Em relação às atividades escolares, ela indica que os pais ajudem dentro do possível. “Não precisa ficar como um auxiliar de professor. A gente precisa estimular a autonomia das crianças.” Ela também diz que, se possível, pais e filhos façam atividades físicas e leiam livros.
‘PODE FALAR DA DOENÇA, MAS DE UMA FORMA QUE O FILHO ENTENDA’, AFIRMA PSICÓLOGA