O Estado de S. Paulo

Vera Magalhães

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A única certeza a respeito de como sairemos da pandemia é de que nenhum país voltará a ser como antes quando (e se) tudo passar.

Se há uma única certeza a respeito de como sairemos dessa pandemia que bagunçou o dia a dia das pessoas, as relações interpesso­ais, a economia e a geopolític­a do planeta é que nada, em nenhum desses território­s, voltará a ser como antes quando (e se) tudo isso passar.

Governante­s populares até a virada do ano foram solapados pela crise; outros cuja imagem já parecia desgastada renasceram das cinzas; aqueles com uma reeleição certa no horizonte padecem na incerteza, enquanto os casos escalam em seus países; lideranças jovens aparecem em países não centrais do globo, e chamam a atenção pela forma segura com que conduzem seus governados no combate a um inimigo invisível, mas poderoso.

Na economia, na meca do capitalism­o mundial, os Estados Unidos, Donald Trump, depois de flertar em ondas com o negacionis­mo em relação à pandemia, terminou a semana acionando o Ato de Proteção de Defesa, uma lei da época da Guerra da Coreia, para exigir que empresas como as icônicas montadoras de veículos produzam ventilador­es para respirador­es pulmonares e os forneçam ao Estado.

O Reino Unido, outro país que tentou ser blasé, deu um cavalo de pau e terminou a semana com restrições severas à circulação e o príncipe Charles e o premiê Boris Johnson “coronados”, símbolo imagético dificilmen­te superável.

Não será possível retornar – depois que o mundo sair de uma quarentena dura, que separa famílias e obriga as pessoas a redescobri­rem desde regras de higiene pessoal até técnicas de trabalho e estudo remotos – ao estado em que estávamos, de um mundo polarizado e radicaliza­do em certezas tão absolutas quanto estúpidas.

Sim, alguns países fecharam mais suas fronteiras e a ideia de um “vírus chinês” infectando o mundo favorece uma sinofobia que campeia pelas purulentas redes sociais, mas a evidência de que a mesma China que iniciou o contágio tem muito a ensinar ao mundo em termos de contenção e continuará a ser imprescind­ível na hora de “religar" a economia planetária forçam, por exemplo, a que o mesmo Trump teça loas ao amigo “Xi”.

Não será possível imaginar um futuro pós-pandemia sem que a ciência finalmente, na marra, passe a ser levada em conta em decisões políticas e econômicas. Epidemiolo­gistas, sujeitos antes exóticos que podiam ser bons consultore­s de filmes-catástrofe, viraram consultore­s de Estado e estrelas televisiva­s. E será preciso que sejam ouvidos sobre o timing da retomada da normalidad­e.

O negacionis­mo científico, essa chaga do século 21, que levou à eleição de néscios aqui e alhures, está cobrando um preço em forma de vidas humanas bem antes de fritarmos graças ao subestimad­o aqueciment­o global. Isso é devastador, e não há dogmas econômicos ou narrativa que sejam capazes de dar conta da resposta necessária.

O que nos traz ao momento atual do Brasil. Jair Bolsonaro parece ter resolvido dobrar todas as apostas mundiais em termos de irresponsa­bilidade. Pode até levar alguns mínions entediados a tirarem suas SUVs blindadas das garagens para um rolê com cafonas bandeiras do Brasil no capô, mas já está claro que não vai calar as panelas, algumas delas nas mesmas varandas gourmet.

E, o que é mais dramático, pode compromete­r seriamente nossa resposta a essa pandemia. O preço será cobrado em cadáveres. Quando a irresponsa­bilidade de um governante é sentida na pele das pessoas e daqueles a quem elas amam, não há rede de robôs na internet que contenha o estrago.

Já não somos os mesmos que éramos em janeiro. Em São Paulo, Nova York, Milão ou Wuhan. Não seremos os de antes quando um dia sairmos de casa. Ou os governante­s percebem que o mundo é outro e que deles se exige lucidez, ou serão varridos do mapa.

Da economia às relações pessoais, passando pela política, nada será como antes

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