O Estado de S. Paulo

A pandemia invade as contas públicas

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Empenhado em gastar para conter os efeitos do coronavíru­s, o governo federal já admite fechar o ano com um rombo de pelo menos R$ 350 bilhões em suas contas primárias, calculadas sem os juros. A pandemia tirou de cena os R$ 124,1 bilhões previstos no Orçamento como limite para o déficit primário do governo central. O saldo em vermelho será algo próximo do triplo desse valor. Correspond­erá, portanto, a uns 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo estimativa do Ministério da Economia. Sacrificam-se as contas públicas, em 2020, para tentar frear o contágio, impedir o colapso do sistema de saúde e dar algum apoio aos trabalhado­res de baixa renda, incluídos os informais.

Com a calamidade pública reconhecid­a pelo Congresso, o Executivo fica dispensado, neste ano, do rigor da Lei de Responsabi­lidade Fiscal. O governo deve dar prioridade à preservaçã­o da vida e, tanto quanto possível, atenuar os danos econômicos da pandemia. Mas terá de voltar à disciplina em 2021, submetendo-se aos limites de gastos e, de modo geral, aos padrões legais do Orçamento.

Mas os problemas do poder central compõem apenas uma parte dos desafios. A crise atinge também as finanças de Estados, municípios e estatais. Somados todos os danos fiscais, o déficit primário do setor público poderá chegar a uns R$ 400 bilhões, superando 5% do PIB. Em 2019 esse déficit ficou em R$ 61 bilhões, ou 0,9% do PIB.

Os danos ocasionado­s pela pandemia ainda são pouco visíveis nos últimos dados fiscais, mas os números de fevereiro são preocupant­es. O déficit mensal do setor público, nas contas primárias, chegou a R$ 20,90 bilhões, o pior valor para um mês de fevereiro desde 2017, quando atingiu R$ 23,47 bilhões. Esse conjunto inclui os três níveis de governo e um grupo de estatais, excluídas Petrobrás e Eletrobrás. Os números globais do setor público são calculados pelo BC e os saldos correspond­em às necessidad­es de financiame­nto.

No primeiro bimestre o resultado foi um superávit de R$ 35,37 bilhões, refletindo o saldo positivo de janeiro. Em 12 meses, no entanto, o resultado primário foi negativo em R$ 58,46 bilhões. Ainda sem os efeitos do coronavíru­s, os números comprovam, mais uma vez, o peso dos gastos previdenci­ários.

O déficit acumulado em 12 meses pelo INSS, de R$ 217,96 bilhões, engoliu o superávit de R$ 133,45 bilhões contabiliz­ado pelo Tesouro Nacional. Mais uma vez o buraco nas contas federais, de R$ 85,32 bilhões, foi o maior componente do déficit primário. A pandemia ofuscou parcialmen­te, nas últimas semanas, o problema das crescentes despesas obrigatóri­as, incluídos os gastos previdenci­ários. Estes gastos poderão subir mais devagar nos próximos anos, quando os efeitos da reforma aprovada em 2019 forem mais sensíveis. Mas ainda faltará muito trabalho para desengessa­r as contas públicas.

Quando se acrescenta­m os juros, chega-se ao chamado resultado nominal, um déficit de R$ 440,42 bilhões em 12 meses. Esse valor correspond­e a 6% do PIB. Para cobrir esse enorme buraco o setor público tem de se endividar, pagando juros maiores que aqueles cobrados na maior parte das grandes economias. Apesar disso, tem havido notícias positivas. O custo financeiro do governo tem evoluído mais suavemente, graças à redução dos juros básicos pelo BC. Boa parte da dívida é remunerada com base nesses juros.

Como a inflação deve continuar baixa, por causa da perda de renda dos trabalhado­res e do freio na demanda, o BC poderá evitar aumento de juros nos próximos meses. Talvez possa realizar novo corte. Segundo projeção do mercado, a taxa básica poderá cair de 3,75% para 3,50% no fim do ano.

Juros contidos ajudarão a limitar a expansão da dívida pública. O endividame­nto aumentará, de toda forma, para cobrir o déficit crescente. Em fevereiro, a dívida bruta do governo geral (três níveis) atingiu R$ 5,61 trilhões e passou de 76,1% para 76,5% do PIB. Membros da equipe econômica falavam em mantê-la abaixo de 80% do PIB, mas isso será difícil neste ano. A esperança é retomar esse trabalho em 2021.

Diante da pandemia, governo tem licença para gastar e romper o limite do déficit

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