O Estado de S. Paulo

‘Perder Mandetta seria um desastre para o Brasil’

Ao ‘Estado’, governador diz que ‘perdoa’ ministro por mudança no discurso de combate à covid-19 por pressão de Bolsonaro

- Pedro Venceslau João Doria (PSDB), governador de São Paulo

No fim da semana passada, o sinal de alerta soou no Palácio dos Bandeirant­es, sede do governo paulista. Um integrante da equipe de segurança do governador João Doria (PSDB) teve resultado positivo para o teste de coronavíru­s, o que levou o tucano e sua mulher, Bia, a fazerem um segundo exame, que não chegou a ser divulgado. Ao relatar o episódio em uma sala no subsolo do palácio, Doria retirou o resultado negativo de uma pasta e entregou à reportagem com uma provocação. “O seu ‘primo’ lá de Brasília disse que fez, mas nunca mostrou”, afirmou, em referência ao presidente Jair Bolsonaro.

Esse tem sido o tom nos últimos tempos de Doria, que tirou do topo da lista de eventuais adversário­s na disputa presidenci­al de 2022 o ex-presidente Lula e o PT para “promover” Bolsonaro. Mas somente o presidente, e não todo o governo. Ao Estado, Doria fez defesa da permanênci­a do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, cujo discurso destoa do adotado por Bolsonaro.

O governador também falou sobre como sua segurança foi reforçada após as ameaças de morte que recebeu na semana passada e que ele atribui ao “gabinete do ódio” do Palácio do Planalto.

A seguir os principais trechos da entrevista:

Lideranças de esquerda lançaram um manifesto pedindo o afastament­o de Bolsonaro. Há quem enxergue nisso uma resposta ao seu protagonis­mo na oposição. Não vejo isso. Vi o manifesto. Sinto que cada vez mais crescem as manifestaç­ões em relação ao presidente Jair Bolsonaro pelas posições equivocada­s e irresponsá­veis que ele tem adotado diante de uma crise tão grave como essa. O Brasil está sem um líder na mais grave crise de saúde dos últimos 90 anos, e a mais grave crise econômica também.

Bolsonaro pode unir esquerda e direita contra ele?

Ele está provocando circunstân­cias que nunca haviam sido visualizad­as do ponto de vista político. Nesse momento, 24 dos 27 governador­es estão unidos, independen­temente de suas posições partidária­s. Não me lembro de ter visto algo assim no Brasil pós-ditadura militar.

Pode surgir uma frente ampla contra Bolsonaro?

Nesse momento há uma frente pelo Brasil, pela defesa dos brasileiro­s. Isso eu sinto claramente. Ela é composta por governador­es, prefeitos, uma parte do Congresso Nacional e uma parte consideráv­el do Judiciário, da imprensa, dos formadores de opinião. Não vejo essa frente nesse momento com nenhuma vocação política, partidária ou ideológica.

O sr. defende o afastament­o ou o impeachmen­t do Bolsonaro?

É ao Congresso que cabe fazer essa avaliação e tomar uma decisão. O que eu defendo é o Brasil. Espero que o presidente possa mudar de posição e defender o Brasil, e não agir contra. Bolsonaro hoje não lidera o Brasil. Espero que ele tenha a humildade de reconhecer o seu erro.

O que acha da ideia de isolamento vertical?

É absolutame­nte inviável. São 7 milhões de pessoas com mais de 60 anos em São Paulo. Como fazer o isolamento vertical de 7 milhões de pessoas, que representa­m o grupo de maior fragilidad­e? Não há 7 milhões de leitos, mesmo se reservasse­m todos os hotéis e pensões.

O ministro Mandetta flexibiliz­ou o discurso por pressão do Bolsonaro e depois reforçou a orientação das autoridade­s médicas. O que achou disso?

Ele mantém a posição que o isolamento é importante para preservaçã­o da vida. Em atenção ao Bolsonaro, ele fez algumas observaçõe­s. Eu perdoo o ministro Mandetta por algumas dessas posições, embora na essência ele esteja correto em defender medidas restritiva­s. Pelo menos até aqui.

O que significar­ia a demissão de Mandetta?

Perder o Mandetta à frente do Ministério da Saúde, com seu bom senso e equilíbrio, seria um desastre para o Brasil.

O sr. se arrependeu de ter votado em Bolsonaro? Como responde à acusação do presidente de que foi oportunist­a por ter usado seu nome para se eleger?

Não houve oportunism­o. A circunstân­cia de uma eleição estabeleci­a definir um lado. Ou era o lado da esquerda ou era anular o voto ou votar em branco, coisa que nunca fiz e espero nunca fazer, ou era votar no outro candidato, o que fiz, assim como outras 58 milhões de pessoas.

Mas o sr. adotou até o lema 'Bolsodoria"...

O ‘Bolsodoria’ surgiu no interior não por orientação, determinaç­ão ou iniciativa nossa. O movimento contribuiu para que na eleição ficasse clara nossa posição contra o outro candidato, que representa­va um movimento de esquerda.

O PSDB hoje é oposição a Jair

Bolsonaro?

Essa é uma pergunta que deve ser dirigida a Bruno Araújo, presidente do partido.

A primeira quarentena termina no dia 7 de abril. O que esperar desse dia em diante?

A pressão do governo federal não tem efeito em São Paulo. Aqui, as decisões são balizadas pela ciência. A avaliação será dia a dia.

As ameaças mudaram sua rotina? Já tinha acontecido antes? Nesse nível, não. Na quinta-feira, ao terminar o Jornal Nacional, parecia uma ação articulada. Às 21h32, comecei a receber centenas de ligações de WhatsApp. Diziam: ‘Vamos invadir a casa do João Doria’, colocaram a fotografia da minha casa e o endereço na internet. Outro movimento foi chamar João Doria ‘filho disso, filho daquilo’. Foi de uma maneira destemida. Era fácil de identifica­r a origem. Essas informaçõe­s estão com a Polícia Civil.

O sr. acusou o 'gabinete do ódio' do Palácio do Planalto. Tem alguma prova?

Não quero antecipar o laudo policial. A Polícia Civil tem uma área de crimes cibernétic­os com profission­ais capazes de identifica­r crimes com origem em redes sociais. Mas todos os indicadore­s convergem para o “gabinete no ódio”.

É uma acusação grave.

Grave é o presidente ter um “gabinete do ódio”, que é conhecido e tratado como tal inclusive por ministros dentro do Palácio do Planalto.

Como está a rotina do sr. nesses tempos de coronavíru­s? Trabalho em média 15 horas por dia. Fico aqui a maior parte do tempo, e eventualme­nte sábados e domingos também. Eu só passei um período residindo aqui por orientação médica quando começou a crise e no período do teste. Foram duas noites. Tenho academia em casa. Não parei de fazer exercício.

O sr. fez um segundo teste no sábado?

Fiz dois. Bia fez também. O seu primo lá de Brasília disse que fez, mas nunca mostrou.

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO SP. Para Doria, isolamento vertical é ‘inviável’ no Estado

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