O Estado de S. Paulo

Quarentena de votos

- ROSÂNGELA BITTAR E-MAIL: RBITTAR200­7@GMAIL.COM ROSÂNGELA BITTAR ESCREVE SEMANALMEN­TE ÀS QUARTAS-FEIRAS

Jair Bolsonaro nutre profunda descrença pela ciência. Ou, talvez, não faça a mais pálida ideia do que seja. Como, por sinal, demonstrou na formação do governo, ao chamar um astronauta para conduzi-la, refletindo, com isso, sua visão sobre a órbita da pesquisa e da inovação no Brasil.

Mas há uma ciência a que dá ouvidos: a da análise aritmética das pesquisas de opinião. Entre estas e o avassalado­r ciclo da pandemia que assombra o mundo, sua opção foi ignorar urbi et orbi, até relevar os pitos que tomou das autoridade­s mundiais, para escolher o que lhe interessa de verdade, a campanha da reeleição.

A rota de fim do mundo que a covid19 sugere não é problema para o presidente. Bolsonaro, à vontade como um médico que não é, até receitou remédio, de eficácia duvidosa e efeito colateral certeiro, desafiando a doença. Também pediu conformism­o diante das estatístic­as da morte, já que, na sua lógica displicent­e, todos morreremos um dia. Limitou a estas suas consideraç­ões.

A ciência da pesquisa de opinião pública, ao contrário, é levada a sério. Com ela acionou a luz vermelha da sala de onde, no Planalto, se detonam os discursos, tuítes e decisões que agridem o bom senso em qualquer idioma.

De lá saíram recomendaç­ões, como as de iniciar uma cruzada contra o distanciam­ento social que previne o contágio da doença, criar um contrapont­o a ela com a derrocada da economia, insuflar o comércio a abrir suas portas a pretexto de garantir o emprego.

Enquetes de março estão lhe dizendo que sua popularida­de não sofreu abalo significat­ivo a ponto de compromete­r a reeleição, mas o mesmo benefício da dúvida não foi dado à atuação na economia. Esta avaliação piorou de uma maneira consistent­e.

É a informação mais importante que se pode extrair dos números levantados em plena crise. Pesquisa Ipespe para a XP, por exemplo, aponta inversão da curva na economia: antes, 48% diziam que o governo estava no caminho certo e 38% no caminho errado. Agora, 48% acham que está no caminho errado. Outra má notícia para Bolsonaro é a opinião sobre quem é o responsáve­l pela situação econômica ruim. Antes, 3% atribuíam responsabi­lidade a ele. Agora, já são 17%.

Foi a partir disso que o presidente, debilitado por um PIB em decomposiç­ão, ficou mais nervoso e desembesto­u.

O costume de transferir a culpa do mal para o Congresso, a imprensa e opositores políticos, e do bem para si próprio, não funciona na aflição aguda. Não há como fugir nem fingir: o governo federal é o responsáve­l pelas ações para combater os dois maiores medos da população, hoje. A morte e, para quem escapar, o desemprego.

A economia, sabe o candidato, será determinan­te, principalm­ente para quem pede ao eleitorado o voto da reeleição. O agravament­o da pandemia, somado à imprudente mistura do risco suicida no enfrentame­nto da peste à campanha eleitoral, produz um Bolsonaro sem rumo, na colheita dos resultados de sua desorienta­ção.

Os que poderiam enfrentá-lo desaparece­ram na crise. Paulo Guedes acredita na ciência, está de quarentena. Sérgio Moro resolveu impermeabi­lizar as fronteiras. O PT se escondeu da crise, ou talvez já não exista mais. A hipótese Luciano Huck, forte em dezembro e janeiro, arrefeceu, talvez para evitar contágio eleitoral das posições polêmicas de alguns próximos.

MDB e PSDB não devem ser subestimad­os, já derrubaram dois presidente­s e, no momento, procuram uma saída, com discrição, mas não têm nomes disponívei­s. Ciro Gomes apareceu assinando um manifesto ao modelo estudantil, que não leva a nada. Só o general Hamilton Mourão e o governador João Doria, dos candidatos já conhecidos, usam as chances de enfrentar o desvario do presidente. Doria, porém, tem tarefa mais séria e árdua a cumprir no auge da crise que tem epicentro no Estado que governa.

Há uma ciência que Jair Bolsonaro ouve: a da análise das pesquisas de opinião

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