O Estado de S. Paulo

Agronegóci­o: ainda bom, mas com riscos

- PEDRO FERNANDES E GUILHERME BELLOTTI RESPECTIVA­MENTE, DIRETOR DE AGRONEGÓCI­O E GERENTE DE CONSULTORI­A AGRO DO ITAÚ BBA

Vivemos mais um ano de boas perspectiv­as para a geração de renda do agro brasileiro, porém não devemos desconside­rar os potenciais impactos da pandemia de covid-19. A piora do ambiente de negócios fez com que a maioria das instituiçõ­es revisasse suas projeções apontando para uma forte desacelera­ção da economia global. Embora menos danoso para o agronegóci­o – já que se argumenta que a demanda por alimentos seguirá firme –, este cenário de retração atrelado às incertezas em relação à efetividad­e das medidas de contenção da doença afeta diretament­e algumas cadeias e traz riscos adicionais para o setor.

Nesse sentido, o setor sucroenerg­ético e a cultura de algodão se destacam. No caso do primeiro, a queda das cotações do petróleo sugere preços do etanol hidratado na usina em patamares abaixo de R$ 1,50/litro na safra que se inicia. Com isso, a atrativida­de do biocombust­ível cai e aumenta a produção do açúcar, o que, por sua vez, afeta o valor do adoçante. Ademais, uma restrição prolongada à movimentaç­ão de pessoas deve reduzir drasticame­nte o consumo do biocombust­ível no curto prazo.

Para o algodão, a combinação entre os módicos preços do petróleo e, consequent­emente, da fibra sintética, aliada à desacelera­ção da economia, fez com que o valor da pluma caísse radicalmen­te na Bolsa de Nova York.

Quanto aos riscos comuns a todo o setor, o primeiro deles – e de curtíssimo prazo – é uma possível desacelera­ção da logística de exportaçõe­s, a reboque da redução do deslocamen­to de pessoas para minimizar a propagação da doença tanto no Brasil quanto nos destinos. Isso pode alterar a programaçã­o de embarques e alongar o ciclo de caixa de quem depende das vendas internacio­nais, bem como tende a levar a uma redução de liquidez para a comerciali­zação de produtos no spot.

Se o possível problema logístico se estender, as importaçõe­s de fertilizan­tes e princípios ativos de defensivos poderão ser impactadas, aumentando o risco das entregas de tais insumos para a safra 20/21.

Não se pode descartar, também, que o enfraqueci­mento da economia global pode alterar o cresciment­o esperado das exportaçõe­s de carnes do Brasil. Embora a expectativ­a seja de mais um excelente ano de vendas para a China, na esteira da queda drástica de produção por causa da febre suína africana, outros importante­s destinos, como o Oriente Médio, a África e a União Europeia, podem ser menos demandante­s.

No Brasil, a desacelera­ção da economia deve minimizar a recuperaçã­o do consumo de combustíve­is quando o trânsito de pessoas voltar à normalidad­e, bem como afetar a demanda por produtos alimentíci­os mais sensíveis à renda, caso de cortes do traseiro do boi e produtos processado­s.

Por fim, este ambiente de incertezas sugere que a volatilida­de dos preços das commoditie­s e da taxa de câmbio seguirá alta, o que implica mais risco para a atividade. Além

Que empresário­s sejam prudentes em suas decisões, minimizand­o os impactos deste ano desafiador

disso, como observado em outras crises, períodos como este tendem a dificultar o refinancia­mento, já que a percepção de risco como um todo se agrava.

Diante desses riscos, é recomendáv­el que os empresário­s do agro sejam prudentes em suas decisões, minimizand­o os impactos deste ano desafiador. Especial atenção deve ser dada à preservaçã­o de uma boa posição de caixa, que, inclusive, deve ser maior que os níveis normais. Ter caixa em momentos de incerteza é um seguro que será essencial, caso a crise se prolongue. Aliás, deve-se buscar um patamar seguro de insumos, que podem sofrer de inconstânc­ia no suprimento, e postergaçã­o temporária dos planos de expansão.

Não temos dúvidas da importânci­a e da competitiv­idade do agro brasileiro, mas o curto prazo demanda cautela.

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