O Estado de S. Paulo

Voo cego na Bolsa

- FÁBIO ALVES E-MAIL: FABIO.ALVES@ESTADAO.COM TWITTER: @COLUNAFABI­OALVE FÁBIO ALVES ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS COLUNISTA DO BROADCAST

Em reação ao tombo da Bolsa e ao temor crescente de uma recessão na economia brasileira, vários analistas já começaram a revisar fortemente para baixo suas projeções para o Ibovespa no fim deste ano, seguindo o que os economista­s vêm fazendo em relação à estimativa de PIB em 2020, mas a verdade é que o mercado está ainda completame­nte no escuro sobre o tamanho do estrago que a pandemia do coronavíru­s causará à atividade econômica e, por tabela, aos lucros das empresas.

Os estrategis­tas do Bank of America Merrill Lynch, por exemplo, reduziram a projeção para o Ibovespa ao fim de 2020, de 130 mil pontos para 87 mil pontos. Já o banco Fator passou a estimar o índice a 48 mil pontos. A previsão do PIB em 2020 tem variado entre uma queda de 0,5% até uma contração superior a 4%.

Analistas, economista­s e investidor­es estão num voo cego: sem precedente histórico de uma pandemia que paralisou a economia globalment­e de forma súbita e com os indicadore­s de atividade ainda apontando para uma realidade anterior à crise, as oscilações na Bolsa têm sido brutais, levando o Ibovespa a despencar num dia e disparar no dia seguinte.

Isso porque cientistas, economista­s e investidor­es não estão nem perto ainda de entender com segurança a transmissã­o e a contenção do covid-19. Ou seja, na fotografia de hoje, é impossível dizer por quanto tempo as autoridade­s de vários países vão manter o comércio fechado e a restrição na circulação de pessoas. Consequent­emente, não dá para dizer se, mesmo após uma queda de quase 37% no Ibovespa no acumulado do ano, as ações das empresas estão caras ou baratas.

Daqui a duas semanas, as empresas brasileira­s vão começar a divulgar os resultados financeiro­s do primeiro trimestre deste ano, mas isso não trará maior clareza, uma vez que as medidas restritiva­s ao comércio e a outras atividades públicas começaram a entrar em vigor a partir da segunda quinzena de março.

Muitas empresas têm realizado conferênci­as telefônica­s com analistas e investidor­es, mas não podem falar em termos quantitati­vos o impacto que a crise do coronavíru­s causou para suas receitas. Nessas conferênci­as, os executivos têm discutido o que estão fazendo para lidar com os efeitos da paralisaçã­o na economia.

Por enquanto, analistas e investidor­es estão se guiando apenas por dados de alta frequência, como os de vendas no varejo, reportados, por exemplo, pela credenciad­ora de cartões de crédito Cielo. Essas vendas caíram 15,8% nos primeiros 26 dias de março ante igual período de fevereiro. No setor de serviços, que inclui segmentos como turismo, bares e restaurant­es, a queda chegou a 39,5%. Nos EUA, os pedidos de auxílio-desemprego saltaram 3 milhões em uma semana, para um total de 3,3 milhões, recorde histórico.

O mercado somente terá noção precisa do estrago causado pela crise do coronavíru­s nas empresas com a divulgação dos balanços do segundo trimestre, o que ocorrerá apenas a partir de julho. Mas até lá, essa informação estará velha para os investidor­es, supondo que a pandemia do coronavíru­s esteja controlada e a economia tenha voltado a funcionar.

Como os preços das ações já refletem que o PIB brasileiro sofrerá um tombo no curto prazo, pois não surpreende­rá a ninguém uma contração brutal da economia em abril, os investidor­es estão preocupado­s em saber o seguinte: quando a atividade econômica vai começar a se recuperar e, principalm­ente, qual será o ritmo dessa retomada ainda neste ano e, em especial, em 2021.

O banco Itaú, por exemplo, projeta um cresciment­o do PIB de 5,2% em 2021 e o banco UBS prevê expansão de 4,9%, mas a LCA Consultore­s vê alta de 2,30%. Num cenário de recuperaçã­o forte, as ações na Bolsa estariam com preços atrativos hoje.

Todavia, passada a crise, como será o comportame­nto do consumidor em meio à alta do desemprego, que poderá voltar a ficar acima de 14%?

E mesmo se a economia se recuperar aceleradam­ente em 2021, mas o gasto fiscal resultante das medidas para combater a crise se mostrar permanente – e não um esforço temporário de guerra –, o que acontecerá com os juros de longo prazo e, portanto, com o custo de capital das empresas? O preço das ações ainda assim estaria barato? Ninguém sabe dizer.

O mercado só terá noção precisa do estrago causado pelo coronavíru­s em julho

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