CALÇADAS: desafio diário para quem tem dificuldades de locomoção
Buracos, desníveis, falta de acesso, largura variável e obstáculos prejudicam o deslocamento
Há três anos, a rotina do contador Paulo Camargo Filho, 73 anos, morador do Itaim Bibi (zona oeste) há mais de 40, inclui, diariamente (e mais de uma vez todos os dias), uma maratona pelas calçadas do bairro. É ele quem acompanha sempre a esposa, Cecília Camargo, 71 anos, que possui dificuldades de locomoção em virtude de uma doença neurológica.
Para facilitar seus deslocamentos pelas ruas do bairro, ela utiliza uma scooter elétrica. Mas, para isso, enfrenta diversos obstáculos no extenso quadrilátero formado pelas ruas Jesuíno Arruda e Doutor Renato Paes de Barros até chegar à João Cachoeira, importante via de comércio e serviços da região. “O bairro tem boa infraestrutura; porém, o maior problema são as calçadas, sobretudo nesse trecho onde ainda não houve a requalificação”, revela Camargo. “São declives, degraus, rampas e falta de padrão que dificultam a passagem da scooter. Isso obriga a utilizar o leito da rua, muito perigoso, inclusive não só para quem está nesse tipo de veículo mas para outros vizinhos que necessitam de andador”, explica.
De acordo com Camargo, postes e bancas de jornais também limitam a circulação e, a partir das 17h30, há ainda a “concorrência” de mesinhas e cadeiras dos muitos bares que estendem seus salões para o espaço público. E, mais recentemente, bicicletas e patinetes elétricos que são deixados no meio da calçada. “As pessoas tentam nos ajudar a ultrapassar essas barreiras, mas isso aumenta o risco de queda”, diz.
SÃO PAULO LONGE DO IDEAL
Um dos grandes desafios da mobilidade sustentável nas grandes cidades também é torná-las cada vez mais acessíveis e inclusivas, sobretudo para idosos e pessoas com deficiência (PCD). Segundo o IBGE (Pnad 2015), a população brasileira com 65 anos ou mais é composta por 29.374 milhões de pessoas, totalizando 14,3% da população total do País. Só na cidade de São Paulo, de acordo com a Fundação Seade, há 1,7 milhão de idosos no município (15% da população paulistana), e eles corresponderão a 30% da população do município em 2050.
No final do ano passado, o portal Mobilize Brasil apresentou resultados de avaliações sobre acessibilidade e caminhabilidade nas 27 capitais brasileiras, realizadas entre março e julho de 2019, totalizando 835 avaliações, cada uma delas com 13 quesitos. Foram observadas calçadas apenas no entorno de edifícios e demais equipamentos construídos e mantidos pelo poder público. A média chegou a 5,71, ainda assim muito abaixo da nota 8, considerada a mínima para um caminhar seguro e confortável.
A cidade de São Paulo obteve a melhor qualificação no ranking nacional — 6,93, mas ainda está longe da ideal. Muitos locais receberam requalificações nos últimos dez anos, todas realizadas diretamente pelo poder público. Mas, somadas, essas faixas caminháveis não chegam a mil quilômetros, muito pouco se comparados aos cerca de 30 mil estimados em toda a cidade. E, como reforça o estudo, algumas pontes, viadutos e avenidas são praticamente intransponíveis para pedestres e cadeirantes, exigindo estratégias como as de Paulo Camargo.
MANUAIS E GUIAS DE CALÇADAS
A cidade conta com manuais e guias de calçadas, produzidos em campanhas ao longo de duas décadas, o que resultou em grande diversidade de materiais e padrões aplicados às várias regiões: concreto alisado, blocos e placas de concreto, placas de pedras, mosaicos de pedras portuguesas e ladrilhos hidráulicos. Também recebeu intervenções de caminhabilidade em corredores estratégicos e rotas com grande circulação de pedestres, caso da Avenida Paulista ou mesmo de vias em bairros distantes do centro.
Dados da prefeitura indicam 17 mil km de ruas, supondo que existam cerca de 30 mil km de calçadas, já que algumas ruelas não as têm. Desse total, 17% (cerca de 5.100 km) são mantidos pelo poder público. Ainda assim, são raros e descontínuos os locais realmente caminháveis, e não apenas pela condição das calçadas: sinalização deficiente, ruído e poluição, falta de segurança e conforto são fatores que levam o paulistano a usar o carro até para pequenas saídas. Cerca de 40% das viagens de carro percorrem menos de 2,5 km (pesquisa origem—destino do Metrô).
SP tem cerca de 40 mil quilômetros lineares de calçadas
Cerca de 85% estão sob responsabilidade de particulares. A prefeitura de São Paulo realiza a manutenção dos outros 17% Fonte: PMSP