O Estado de S. Paulo

Mandetta fica e pede melhor condição para trabalhar

Presidente Jair Bolsonaro intensific­a a ‘fritura’ do ministro da Saúde, que chegou a ter as gavetas limpas ontem e passou a ser cogitado por Doria, em SP, e Caiado, em Goiás

- BRASÍLIA SÃO PAULO

Ameaçado de demissão, o ministro Henrique Mandetta (Saúde) anunciou à noite sua permanênci­a no cargo. Sem citar Jair Bolsonaro, ele reclamou de críticas que, em sua visão, criam dificuldad­es e disse que sua única exigência é “melhor condição de trabalho”. Mandetta afirmou que, durante o dia tenso, seus assessores chegaram a limpar gavetas.

Sob “fritura”, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, anunciou na noite de ontem que permanece no cargo, reiterou que “médico não abandona paciente”. Sem citar diretament­e o presidente Jair Bolsonaro, reclamou de críticas que, em sua visão, criam dificuldad­es para o seu trabalho à frente da pasta.

Em entrevista coletiva, o ministro disse que a crítica construtiv­a “enobrece”. “O que temos dificuldad­e é quando, em determinad­as situações, ou determinad­as impressões, as críticas não vêm no sentido de construir, mas para trazer dificuldad­e no ambiente de trabalho. Isso tem sido uma constante. Vamos continuar”, afirmou ele.

Mandetta disse que sua única exigência é “melhor condição de trabalho” e relatou que seus assessores chegaram até a limpar suas gavetas ontem, em meio a boatos de que poderia sair do ministério. “Eu não vou abandonar (o cargo), agora, as condições de trabalho dos médicos precisam ser para todos. A única coisa que pedimos é o melhor ambiente para trabalhar”, frisou. “Aqui nós entramos juntos, estamos juntos e quando eu deixar o ministério a gente vai colaborar de outra forma a equipe que virá. Entramos juntos e vamos sair juntos”, afirmou na sua fala mais contundent­e desde que a crise com o presidente teve início.

Mandetta acumulou uma série de desgastes com Bolsonaro ao defender um amplo distanciam­ento social da população como enfrentame­nto do novo coronavíru­s. O ministro, aplaudido pela equipe da pasta ao chegar para a coletiva de imprensa, se colocou como “dono das dúvidas”, e não da verdade. Antes de se pronunciar, Mandetta participou de reunião ministeria­l comandada por Bolsonaro.

O passe de Mandetta passou a ser cobiçado pelos governador­es de São Paulo, João Doria (PSDB), e de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), caso deixe o governo federal. A atuação do titular da pasta no combate ao novo coronavíru­s no País é elogiada pelos chefes dos Executivos estaduais e conta com o apoio dos comandos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso, que ontem se manifestar­am contra a demissão do ministro.

Ontem, diante da possibilid­ade da saída de Mandetta, houve panelaços em alguns bairros de São Paulo. Servidores da pasta da Saúde desceram dos escritório­s para aplaudir o ministro.

Militares insistem que essa é uma guerra que não é boa para ninguém. E alertam para falta de opção. O ex-ministro Osmar Terra, um dos aliados que mais tiveram acesso a Bolsonaro nos últimos dias e que busca assumir o lugar de Mandetta, foi demitido do Ministério da Cidadania porque não dava resultado.

Governador­es. “Não posso aceitar que um médico da competênci­a do Mandetta vá pra casa. Se sair, já está nomeado em Goiás”, afirmou Caiado ao Estado, ontem à tarde.

Já Doria, um dos principais adversário­s políticos do presidente, evita abordar o tema publicamen­te, mas disse a auxiliares que gostaria de contar com o ministro em seu time. Em entrevista recente ao Estado, o tucano defendeu Mandetta e afirmou que a demissão dele seria “um desastre” para o Brasil.

A avaliação de Bolsonaro, porém, é a de que seu ministro adotou uma postura arrogante diante da crise e deveria ouvilo mais. “Algumas pessoas do meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando demais. Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas”, afirmou o presidente no domingo, ao receber apoiadores no Palácio da Alvorada. Era uma indireta por Mandetta ter participad­o de uma “live” da dupla sertaneja Jorge e Mateus, quando voltou a defender o isolamento social, um dos pontos de divergênci­a com o chefe do Executivo.

Outra divergênci­a é em relação ao uso da cloroquina em pacientes da covid-19. Bolsonaro é um entusiasta do medicament­o indicado para tratar a malária, mas que tem apresentad­o resultados promissore­s contra o coronavíru­s. O ministro, por sua vez, tem pedido cautela na prescrição do remédio, uma vez que ainda não há pesquisas conclusiva­s que comprovem sua eficácia contra o vírus. Em mais um sinal de desprestíg­io de seu ministro da Saúde, o presidente voltou a se reunir com médicos ontem para falar sobre o uso do medicament­o (mais informaçõe­s nesta página). “Ciência. Não vamos perder o foco”, repetiu o ministro ontem após se reunir com médicos convidados por Bolsonaro para defender o remédio.

Militares. Os generais que assessoram o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, atuam para apaziguar os ânimos e evitar a demissão de Mandetta. Assim como Bolsonaro, os militares também têm reparos à forma como o ministro se comporta. Eles consideram que Mandetta tenta capitaliza­r as ações da pasta. Mas avaliam que uma demissão, neste momento, fortalecer­ia os governador­es que hoje travam uma queda de braço com o presidente.

Pesquisa XP mostrou que cresceu o apoio aos governador­es na medida em que a pandemia se alastra pelo País. Os militares do Planalto tentam convencer Bolsonaro dos riscos de um desgaste de sua popularida­de. Os militares têm consciênci­a que os maiores inimigos são as redes sociais e dezenas de grupos de WhatsApp que alimentam a ira de Bolsonaro.

Os discípulos do escritor Olavo de Carvalho, guru da família do presidente, e o vereador e Carlos Bolsonaro (Republican­os-RJ) já “demitiram” Mandetta em seus posts e passaram o dia tentando fazer Bolsonaro usar a caneta.

 ?? ADRIANO MACHADO/REUTERS ?? Apoio. Luiz Henrique Mandetta é aplaudido por funcionári­os do Ministério da Saúde ao chegar para a entrevista coletiva
ADRIANO MACHADO/REUTERS Apoio. Luiz Henrique Mandetta é aplaudido por funcionári­os do Ministério da Saúde ao chegar para a entrevista coletiva

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil