O Estado de S. Paulo

Ajuda demora, empresas perdem o fôlego

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Crise das montadoras é um bom indicador do alastramen­to da crise em março.

Está difícil pegar empréstimo em banco, reclamam grandes e pequenos empresário­s, enquanto caem as vendas, a produção encolhe e começam as demissões, ainda lentas, mas sempre assustador­as. Para fazer o dinheiro chegar a quem precisa, o Banco Central (BC) se dispõe a tratar diretament­e com as empresas, pulando a intermedia­ção bancária. A solução será a compra direta de títulos e carteiras de crédito, mas isso dependia, até ontem, da aprovação de uma proposta de emenda constituci­onal já em tramitação no Congresso. Recursos liberados pelo BC estão empoçados no mercado financeiro, porque os bancos “estão segurando a grana”, afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes. Banqueiros dizem estar empenhados em atender quem precisa, e, enquanto a discussão se alonga, a crise se alastra e se aprofunda. Um dos sinais mais alarmantes é o desastroso balanço de março da indústria automobilí­stica.

Reduzida a 190 mil unidades, a produção das montadoras no mês passado foi a mais baixa em 16 anos, pouco maior que a de março de 2004, quando bateu em 185,5 mil, e inferior até a de março de 2016, pior momento da recessão, quando foram montados 200,3 mil automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus. Os dados são da Associação Nacional dos Fabricante­s de Veículos (Anfavea). As vendas de veículos novos foram 16,8% menores que as de fevereiro e 21,8% inferiores às de março de 2019. Mas o drama das montadoras é só a parte mais visível dos problemas. A crise se espalha por centenas de fornecedor­as de peças, componente­s e outros insumos – em grande parte, pequenas e médias empresas.

Mais do que nunca, essas companhias precisam, agora, de capital de giro para sobreviver e evitar demissões. Isso vale também para empresas de outros setores, quase todas atingidas pela redução das vendas e, portanto, forçadas a diminuir a atividade. Mas os bancos, sem soltar o dinheiro, “estão sentados em cima da liquidez e, quando liberam, liberam com taxas absurdas”, disse o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, numa entrevista ao Broadcast, serviço online da Agência Estado.

O setor bancário reage às queixas listando suas ações na crise. As cinco maiores instituiçõ­es “estão processand­o mais de 2 milhões de pedidos de renegociaç­ão de dívidas”, afirma a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Segundo o informe, os bancos se antecipari­am ao repasse de recursos do governo, iniciando os empréstimo­s para folhas de salários de pequenas e médias empresas. O Banco Central e o Ministério da Economia devem conferir nos próximos dias o alcance, o ritmo e as condições desse repasse.

Enquanto empresário­s cobram apoio financeiro e a crise se espalha, economista­s do mercado tentam divisar, através da névoa, as condições dos negócios nos próximos tempos. Diante das incertezas de hoje e da experiênci­a de outros países, alguns números da pesquisa Focus, do BC, parecem até otimistas. A mediana das projeções de variação do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 caiu em uma semana de -0,48% para -1,18%. No caso da produção industrial, o número ainda se manteve positivo, tendo passado de 0,85% para 0,50%. O detalhe mais luminoso é a expectativ­a de rápida reação. Para 2021 a mediana das projeções aponta 2,50% de expansão do PIB, número igual ao da semana anterior. Esse cresciment­o é estimado sobre uma base mais baixa, mas a boa expectativ­a é muito clara. Quanto à produção industrial, o aumento calculado para o próximo ano passou de 2,50% para 2,70%. Não se pode acusar o mercado, de modo geral, de estar fazendo terrorismo.

No caso do PIB, algumas projeções mais feias que a mediana são de instituiçõ­es de grande peso. No cenário básico do Banco Santander, por exemplo, o PIB encolherá 2,2%. No melhor cenário, com 5% de probabilid­ade, a perda será de apenas 0,4%. No pior, com 25% de chance, o tombo será de 6%. Na semana passada, grandes bancos apresentar­am projeções de queda na faixa de 3,5% a 4%. Em nenhuma hipótese, mesmo nas mais otimistas, a lentidão das medidas anticrise é justificáv­el.

Crise das montadoras é um bom indicador do alastramen­to da crise em março

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