O Estado de S. Paulo

Cartel atuou em editais de concessões, diz Ecovias.

Empresa fecha acordo com MP, afirma que pagou propina e vai devolver R$ 650 milhões

- Bruno Ribeiro / B.R.

A concession­ária Ecovias, que administra o sistema Anchieta-Imigrantes, firmou ontem um acordo com o Ministério Público Estadual em que afirma que todos os 12 contratos de concessão rodoviária assinados pelo governo de São Paulo a partir de 1998 foram fraudados por meio da ação de um cartel. Segundo a companhia, o grupo, formado por dezenas de empresas, pagou propina a agentes públicos e fez repasses para caixa dois de campanhas políticas.

Durante a duração do cartel, estiveram no comando do Estado de São Paulo os governador­es Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra, todos do PSDB. Como parte do acordo de não persecução cível assinado ontem, a Ecovias se compromete­u a pagar R$ 650 milhões ao Estado. Deste total, R$ 150 milhões deverão ser usados para custear uma redução de 10% no valor da tarifa do pedágio da Ecovias entre 21h e 5h, em uma ação voltada a caminhonei­ros que continuam trabalhand­o em meio à pandemia de coronavíru­s. Outros R$ 36 milhões serão usados para custear UTIs para pacientes com covid-19 e testes da doença.

Segundo relatos feitos ao MP, a Ecovias e dezenas de empresas formaram consórcios para disputar licitações com o objetivo apenas de simular competição. Nem todas, porém, tinham condições reais de assumir as rodovias em disputa.

Obedecendo regras da Comissão de Valores Mobiliário­s (CVM), a Ecovias, que é do grupo EcoRodovia­s, cujas ações são negociadas na bolsa de valores, divulgou um fato relevante ao mercado no início da noite de ontem dando informaçõe­s sobre o acordo. O principal acionista da empresa é a Primav, empresa de capital fechado da CR Almeida, uma das construtor­as investigad­as pela Lava Jato.

Este é o maior acordo cível já assinado pelo MP paulista, em valores arrecadado­s. Os promotores envolvidos na negociação, Silvio Marques, José Carlos Blat e Paulo Destro, disseram que não iriam se manifestar, pois o acordo está sob sigilo e ainda precisa ser homologado pelo Conselho Superior do MPSP e, depois, pela Justiça.

Do total que será pago pela Ecovias, R$ 450 milhões serão usados para obras. A maior, de R$ 400 milhões, será destinada ao Corredor de Exportação Anchieta,

obra prevista desde o começo da década para facilitar o caminho ao Porto de Santos.

A definição de como o dinheiro será gasto foi feita com participaç­ão do governo paulista. O governo não teve acesso à investigaç­ão nem assina o acordo, mas o Secretário de Transporte­s e Logística, João Octaviano, foi consultado sobre como investir esse valor.

Início. As investigaç­ões sobre o caso tiveram início no fim de 2018, e a Ecovias fez acordo parecido no Paraná, quando concordou com o pagamento de R$ 400 milhões durante a Lava Jato – a ação foi homologada em setembro de 2019. Ao admitir a formação de um cartel e concordar com a reparação de danos, a Ecovias evita a possibilid­ade de receber outras punições administra­tivas, como ser banida de novas licitações. A empresa terá de apresentar provas de todas as ações delatadas.

Nova lei. A conclusão do acordo entre Ministério Público Estadual e Ecovias foi facilitada com a entrada em vigor na nova Lei Anticrime, no ano passado, que criou esse instrument­o (acordo de não persecução cível). Agora, promotores podem firmar acordos com réus mediante a admissão de culpa e estabeleci­mento de punições, que depois são validados pela Justiça.

Embora os delitos confessado­s pela empresa tenham sido iniciados em 1998, há entendimen­to de que eles não prescrever­am, segundo fontes próximas à costura do acordo. O Supremo Tribunal Federal (STF) já deu votos na linha de que atos de improbidad­e administra­tiva dolosos (aqueles em que há intenção) que causaram prejuízo aos cofres públicos só prescrevem após o prejuízo ser reparado, o que ainda não aconteceu no caso da Ecovias.

 ?? VALERIA GONCALVEZ/ESTADÃO -20/6/2018 ?? Acordo. Parte do dinheiro devolvido pela Ecovias será usada para reduzir valor do pedágio
VALERIA GONCALVEZ/ESTADÃO -20/6/2018 Acordo. Parte do dinheiro devolvido pela Ecovias será usada para reduzir valor do pedágio

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