O Estado de S. Paulo

Hospital Sírio-Libanês testa anticoagul­ante contra o vírus

Experiment­o surgiu depois de descoberta feita em necropsias em pacientes com o coronavíru­s

- Fabiana Cambricoli

A descoberta de que o agravament­o de infecção pelo coronavíru­s pode estar relacionad­a à formação de micrococoá­gulos nos vasos sanguíneos fez médicos do Hospital Sírio Libanês iniciarem de forma experiment­al o uso de anticoagul­ante para o tratamento de pacientes internados com a doença. Em alguns casos, já foi observada melhora.

O teste foi iniciado há cerca de três semanas quando a pneumologi­sta Elnara Marcia Negri, médica do Sírio e professora livre docente de Patologia da Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo (USP), soube de achados de colegas que estavam examinando os corpos de pacientes que morreram vítimas da infecção.

A partir de necropsias feitas nos cadáveres em São Paulo, patologist­as encontrara­m a presença de pequenos coágulos nos vasos sanguíneos de diversas partes do corpo das vítimas. “Temos de fazer uma análise rápida, mas examinamos os corpos dos mortos para informar para os clínicos que estão cuidando dos vivos os mecanismos de ação do vírus”, explica o patologist­a Paulo Saldiva, coordenado­r do grupo que realiza as autópsias e também professor da FMUSP.

De acordo com os especialis­tas, essa reação de coagulação está associada à uma resposta inflamatór­ia exagerada do organismo quando o vírus ataca as células. “É uma tempestade inflamatór­ia e isso leva a pequenas coagulaçõe­s nos vasinhos dos órgãos. Com esses microcoágu­los, a circulação de sangue e a oxigenação dos órgãos essenciais vai sendo interrompi­da, o que pode levar à morte”, explica Elnara.

Com a informação, a médica obteve a autorizaçã­o do Hospital Sírio-Libanês para começar a administra­r doses controlada­s do anticoagul­ante heparina em pacientes internados. “O pulo do gato é tentar iniciar o tratamento antes de o paciente ir para a intubação porque os coágulos começam a se formar antes mesmo dele ficar com um quadro de insuficiên­cia respiratór­ia grave. Eles começam quando o paciente já está precisando de oxigênio, mas não necessaria­mente de intubação”, explica.

De acordo com a pneumologi­sta, 30 pacientes já fizeram uso do anticoagul­ante. Pelos resultados observados até agora, que a médica faz questão de frisar que são preliminar­es, dois grupos de pacientes podem ser mais beneficiad­os pelo uso do remédio: os internados que já têm baixa na oxigenação, mas que ainda não foram para a intubação, e os que já estão em ventilação mecânica.

“No primeiro caso, a expectativ­a é de que o tratamento evite que eles evoluam para um quadro ainda mais grave e precisem de intubação. No segundo, a tentativa é permitir que eles saiam mais rápido do respirador e diminuir o risco de morte.”

Elnara afirma que, com base no que foi observado até agora, está finalizand­o um protocolo de pesquisa que será submetido à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para que o estudo seja ampliado.

“O pulo do gato é tentar iniciar o tratamento antes de o paciente ir para a intubação porque os coágulos começam a se formar antes mesmo dele ficar com um quadro de insuficiên­cia respiratór­ia grave.”

Elnara Marcia Negri

MÉDICA DO SÍRIO LIBANÊS

 ?? ALEX SILVA/ESTADÃO - 18/3/2020 ?? Teste. Hospital Sírio-Libanês começará a fazer experiment­o com pacientes com covid-19
ALEX SILVA/ESTADÃO - 18/3/2020 Teste. Hospital Sírio-Libanês começará a fazer experiment­o com pacientes com covid-19

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