Turner e clubes estudam rompimento
Brasileirão. Com os dois lados insatisfeitos e com prejuízos, parceria deve ter fim precoce; oito times têm contrato com a emissora
A Turner enviou uma carta no último dia 3 para os oito clubes com quem tem acordo até 2024 para a transmissão em TV fechada dos jogos do Campeonato Brasileiro 2020. A partir daí haverá uma série de negociações para o rompimento do contrato. Portanto, é provável que os clubes readquiram seus direitos e os repassem para a Rede Globo.
Os times envolvidos são Palmeiras, Santos, Internacional, Bahia, Ceará, Coritiba, Fortaleza e Athletico-PR. Foi a segunda vez que a empresa americana fez a notificação. A primeira ocorreu em novembro do ano passado. Naquela ocasião, apenas o Athletico-PR se dispôs a responder. A Turner descobriu o Brasil, por meio de seu braço esportivo, em 2015, e desde então tenta entrar na disputa das transmissões das partidas.
Em 2019, colocou no ar sua primeira edição do Brasileirão, com direitos comprados por R$ 140 milhões de sete equipes para quem mandou a carta – o Coritiba ainda estava na Série B.
O Estado entrou em contato com representante da empresa e com alguns dos clubes notificados. Dos dois lados esbarrou na informação de que o teor do documento é confidencial, com multa pesada para quem abrir o bico. Mesmo aqueles dirigentes mais solícitos se recusaram a contribuir com a reportagem. “Posso falar de tudo, menos desse assunto. Peço desculpas”, disse ao Estado o presidente do Fortaleza, Marcelo Paz. Na mesma linha responderam seus pares de Bahia e Ceará.
O presidente do Santos, José Carlos Peres, abriu o jogo. “Os clubes estão perdendo muito dinheiro com a Turner e penso que ela também está perdendo dinheiro com o futebol brasileiro. Vamos ouvir a empresa e negociar. Penso que os lados estão querendo a rescisão”, disse.
A CBF já informou em outras
ocasiões que não entra nesta discussão. Clubes e emissoras de TV têm liberdade na negociação. “Ela nem sabe o que foi assinado”, disse fonte que pediu para não ser identificada.
Na carta, a Turner aponta para as regras contratuais que os clubes estariam quebrando, principalmente no que diz respeito às transmissões dos jogos aos quais essa equipes têm direito na TV aberta – os oito clubes assinaram com a empresa para mostrar as partidas na TV fechada (Esporte Interativo, TNT e Space) e com a Globo para a TV convencional. Na guerra das transmissões, com jogos liberados para as praças, seja por TV aberta ou fechada, e horários mudados em função desses acordos, a Turner não estaria mais contente com seus números de audiência e faturamento. Nem com a atitude de seus parceiros. Acredita que os clubes não honraram seus compromissos e se dobraram às exigências da outra emissora.
O Estado teve acesso à notificação da empresa. Nela, a Turner reclama com os clubes pelo fato de a carta enviada em novembro passado não ter sido respondida e pede a eles que “venham conversar com a Turner para solucionar questões pendentes”. Reforça que nos contratos há “compromissos assumidos pelos clubes que são essenciais para que a Turner crie um modelo de negócio sustentável” e, embora diga acreditar em solução conjunta, adverte: “A Turner propõe nova conversa, ao mesmo tempo em que não descuidará das ações necessárias à defesa de seus direitos”.
Ela espera o momento em que será pressionada pelos parceiros comerciais. Viu sua audiência despencar em até 15% no fim de 2019. Quando o mesmo jogo que ela mostrava também era transmitido na TV aberta pela Globo nas cidades dos clubes em campo, sua audiência caía ainda mais: 85%.
A empresa também tem a percepção de que os clubes estão forçando a barra para que o contrato seja rescindido antes de o torneio de 2020 começar – o Brasileirão estava marcado para iniciar no primeiro fim de semana de maio, dias 2 e 3, mas será adiado em função do novo coronavírus. A segunda carta, a que foi enviada em 3 de abril, tem essa finalidade: encontrar caminhos. Entenda-se fazer um acordo sem perdas.
Caminhos. Daí a necessidade de se reunir com os clubes para saber o que eles querem. O presidente do Santos foi claro ao afirmar ao Estado que a quebra de contrato é o melhor caminho. Há insinuações de que as duas partes gostariam de romper o acordo, cujas cláusulas contêm multa para os dois lados. Mas nenhuma delas quer dar o primeiro passo, com receio de como isso poderia ser interpretado juridicamente.
A empresa nega que esteja tirando o pé do futebol. Ela é dona, por exemplo, dos direitos da Liga dos Campeões. Na Argentina,
divide o Campeonato Nacional com a Fox Sports. No Chile, detém os direitos exclusivos de transmissão. Mas há um impasse inegável entre a Turner, seus objetivos e os clubes com quem tem contrato no Brasil.
Não seria demais supor que a empresa entende que os times quebraram regras do acordo, inviabilizando ganho e crescimento da companhia, de modo a abrir brechas para sanções previstas e até o rompimento do contrato, com ônus para os clubes. É isso que eles temem e vão discutir a partir desta semana. Ninguém quer pagar ninguém.
Dinheiro. O dinheiro do futebol desapareceu com a paralisação das atividades por causa da pandemia do novo coronavírus. As empresas estão com dificuldades para honrar compromissos. A Globo, conforme noticiado, parou de pagar os times que disputam os Estaduais.
Para os clubes, a quebra de contrato com a Turner não seria um desastre se eles conseguirem repassar os direitos para a Globo/SporTV imediatamente. No ano passado, estima-se que ganharam R$ 23 milhões cada um da empresa. O Santos diz que ganhou um pouco menos. Palmeiras e Inter teriam recebido cotas maiores também pelo desempenho e audiência.
“A situação é bastante obscura nesse momento. Os clubes estão avaliando o que tudo isso significa. Mas não podemos entrar em detalhes. O documento da Turner é sigiloso. Tudo vai depender da vontade das partes”, disse o presidente do Ceará, Robinson de Castro.
Os times parceiros da Turner vão se reunir para levar uma posição única à empresa, apesar de muitos deles negociarem individualmente seus contratos. A empresa americana paga 50% do valor combinado na abertura da disputa; 25% são distribuídos de acordo com a audiência; e os outros 25% conforme o desempenho em campo.