O Estado de S. Paulo

É hora de deixar de lado diferenças políticas, diz ex-ministro da Fazenda.

Para Eduardo Guardia, País deve evitar repetir erro de 2008, quando criou novas despesas de forma permanente

- Eduardo Guardia, ex-ministro da Fazenda Adriana Fernandes / BRASÍLIA

Antecessor de Paulo Guedes no comando da área econômica, o ex-ministro da Fazenda Eduardo Guardia diz que é hora de deixar de lado diferenças políticas para acelerar medidas no combate aos efeitos da covid-19, mas que não se pode cometer os mesmos erros da crise de 2008. “Não se combate essa crise criando despesas permanente­s. Essa foi a resposta do governo brasileiro na crise de 2008, quando aumentamos o gasto permanente e pagamos essa conta até hoje.”

• Como o sr. vê o enfrentame­nto da crise?

As medidas são corretas e possuem uma dimensão importante. O BC está apresentan­do medidas que são muitos importante­s para manter o adequado funcioname­nto do sistema financeiro e a manutenção da liquidez do mercado de crédito. Do lado fiscal, o governo está focando em várias ações. A Receita também começa a fazer movimentos de adiamento de tributos. Qual a grande preocupaçã­o? Que isso seja monitorado para que chegue, na ponta, com rapidez. Temos uma grande rede de proteção social, o Bolsa Família, que também deve ser utilizada. Mais importante do que discutir se R$ 750 bilhões são adequados, é ir um passo de cada vez e ver se as medidas já anunciadas chegam na ponta.

• Qual a visão do sr. sobre a PEC que confere poderes ao BC para comprar títulos públicos e privados?

Consideran­do a gravidade da crise atual, entendo o objetivo de conferir instrument­os ao BC para ele dar liquidez ao crédito privado através da atuação no mercado secundário. Diversos BCs tem essa prerrogati­va e não vejo problema em criar esse instrument­o, desde que com a devida transparên­cia e limitado a período de crises mediante a aprovação prévia do CMN. Não vejo necessidad­e de que essa intervençã­o seja financiada, mesmo que parcialmen­te. Também não vejo necessidad­e imediata, nas nossas circunstân­cias, de autorizar o BC a comprar títulos públicos no mercado secundário, como se fosse um ‘quantitati­ve easing’ (afrouxamen­to monetário, injeção de recursos na economia, por meio da compra de títulos, por exemplo).

• Qual a importânci­a de o BC ter o instrument­o de comprar carteiras e títulos de crédito?

Esses instrument­os são importante­s porque, mesmo que haja liquidez no mercado financeiro, não necessaria­mente ela chega na ponta para as empresas, onde precisa.

O que é mais urgente ainda a ser feito?

Que as medidas já anunciadas sejam operaciona­lizadas. Diversas

medidas foram anunciadas, mas pouco foi efetivamen­te implementa­do. O senso de urgência é fundamenta­l neste momento. Cada dia de atraso na implementa­ção tem potencial de agravar a situação.

• Por que essa demora?

O Brasil é um país difícil, a legislação é complexa, o risco jurídico para quem está lá tomando a decisão é grande. Estamos discutindo emenda constituci­onal para implementa­r os programas, porque nosso arcabouço é muito mais amarrado. Isso, de fato, tem impacto na nossa velocidade de resposta. Também acho que demoramos um pouco para colocar esse arsenal de medidas na mesa.

• O Congresso deveria fazer uma trava para que os gastos sejam circunscri­tos a 2020?

O que vale para o governo federal tem de valer para Estados e municípios. Não se combate essa crise criando despesas permanente­s. Essa foi a resposta do governo brasileiro na crise de 2008, quando aumentamos o gasto permanente e pagamos essa conta até hoje. Foi um erro muito grande. Não podemos repetir o erro.

• Como lidar com o dilema de fiscalizar e controlar gasto quando na outra ponta está a necessidad­e de salvar vidas, o emprego e as empresas?

Não é incompatív­el, não vejo esse dilema. As ações têm de ser temporária­s. É isso que vai nos permitir atender às necessidad­es de curto prazo, não fugir das nossas responsabi­lidades, e preservar a capacidade de recuperaçã­o fiscal de médio e longo prazos. Haverá aumento de endividame­nto, sim é inegável. O que não pode é ter aumento de endividame­nto e gasto permanente. Entramos nessa crise com a situação fiscal já fragilizad­a e isso afetará o custo do ajuste após a crise.

• Como o Brasil sai da crise?

Teremos um a grande contração. O PIB brasileiro e do mundo vai ter uma contração muito forte. Acredito que maior do que a que o Brasil teve em 2008. No quarto trimestre de 2008, o Brasil teve uma contração de 3,9%. Devemos estar preparados e esperar uma contração maior no segundo trimestre deste ano. A resposta precisa ser rápida, ter foco e colocar de lado as diferenças políticas. É como uma situação de guerra, as diferenças precisam ser colocados de lado para sairmos melhores.

• Ponto de vista

“A resposta precisa ser rápida (...) É como uma situação de guerra, as diferenças (políticas) precisam ser colocados de lado para sairmos melhores.’

‘Entramos nessa crise com a situação fiscal fragilizad­a.’

• O chamado “fiscalismo” não morre com a crise?

Não morre. O desequilíb­rio fiscal sem precedente­s que nos levou à crise de 2014 a 2016. O Brasil pagou um custo altíssimo em termos de cresciment­o, emprego e renda, por causa do desequilíb­rio fiscal. Não tem nenhum economista responsáve­l que possa defender falta de compromiss­o com a disciplina fiscal. É esse desequilíb­rio, em última instância, que limita nossa capacidade de cresciment­o econômico.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 13/4/2018 Aprovação. As medidas que estão sendo tomadas são corretas e possuem uma dimensão importante, avalia Guardia

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