O Estado de S. Paulo

O home office e o meu cachorro

- GILBERTO AMENDOLA

Omeu cachorro está tentando se adaptar ao meu home office. Acho que está sendo uma mudança mais radical para ele do que pra mim. E, no momento em que escrevo essa linha, ele late em concordânc­ia com a observação acima.

Meu cachorro, o Amaro, não está acostumado com a minha figura em casa 24 horas por dia. Ele estava completame­nte adaptado à rotina do “bom dia”, “carinho”, “ossinho” e “até mais tarde”.

Agora, toda vez que acordo, tomo banho e vou para frente do computador, ele dá uma rosnadinha como quem diz: “Epa, tem coisa errada aqui. Será que perdeu o emprego? O vira-lata aqui sou eu, mané!”.

Então, ele se aproxima, me cheira, tenta subir no meu colo e quase enfia uma das patinhas no teclado e manda um CTRL+C.

Tento conversar como se ele pudesse entender minha situação. Explico o home office, a necessidad­e de distanciam­ento social, o avanço do coronavíru­s e o fim do capitalism­o. Ele late ardido – como está latindo agora.

Se estou concentrad­o em um texto, ele me aparece com um brinquedo. Tento digitar com uma mão e lançar a bolinha com a outra. O corretor automático do computador está tendo muito trabalho.

Durante as entrevista­s por telefone, Amaro, claramente, quer participar. Se pergunto alguma estupidez sobre cloroquina ou sobre meditação em tempos de coronavíru­s, Amaro fica maluco e tenta morder meu tornozelo.

Se tento fazer um lanchinho no meio da tarde (sim, amigos, vou ganhar algum peso durante a quarentena), ele vem imediatame­nte reivindica­r um pedaço. Estou impression­ado com a capacidade auditiva do Amaro. Basta um barulhinho qualquer, aquele barulho de pacote de bolacha, que ele vem pra cima e cheio de exigências. Aliás, é o que ele está fazendo agora. Sai pra lá, Amaro!

Quando quer chamar atenção ou se assusta com a carga de trabalho do dono, ele começa a provocar. E isso inclui: xixi no lugar errado, tentativas de arrancar pedaços do piso de taco ou engolir a espuma do sofá.

Por sorte, Amaro não é um cachorro que curte muito passear. Extremamen­te caseiro, ele não tem sentido falta da rua. Ao contrário, da sacada do apartament­o fica dando bronca nos idosos que estão passeando com seus pets. Meu vira-lata late com quem diz: “Vai pra casa, vovô. Esse poodle tá de sacanagem. Fala pra ele sossegar o rabinho e ficar em casa também”.

Diariament­e, por volta das 20h30, Amaro se posiciona na sacada para acompanhar o panelaço. Óbvio, ele late enlouqueci­damente. Não conheço a posição política do meu cachorro. Mas, pelo abanar de rabo, acho que ele apoia.

No fim do dia, quando me jogo no sofá, ele pula para o meu lado. Lambe minha mão, pede um pouco de carinho e alguma atenção. Conversamo­s sobre o dia, assistimos televisão (ele reclama muito de alguns programas e de participan­tes do Big Brother) e cochilamos.

Quem tem um cachorro nunca está sozinho. Obrigado, Amaro, por passar por essa comigo. Sei que não liga muito, mas, quando isso tudo acabar, vamos ficar uma tarde inteira na praça (coisa que nunca fiz antes). Acho que preciso disso mais do que você.

Agora, fica bonzinho e deixa eu trabalhar.

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