O Estado de S. Paulo

Socorro prometido não chega às Santas Casas

- Espaço Aberto Mirocles Véras PRESIDENTE DA CONFEDERAÇ­ÃO DAS SANTAS CASAS E HOSPITAIS FILANTRÓPI­COS (CMB)

Inicialmen­te, as Santas Casas e os hospitais filantrópi­cos desejam reconhecer publicamen­te a atenção que o presidente da República, Jair Bolsonaro, tem dedicado ao segmento, em especial ao esforço para sanear as finanças das instituiçõ­es.

No dia 27 de março, por exemplo, houve o anúncio da diminuição dos juros de uma linha de crédito especial posta em operação pela Caixa Econômica Federal. O objetivo é injetar até R$ 5 bilhões no sistema para manter os hospitais operando plenamente durante a emergência que enfrentamo­s.

Porém, neste momento em que a sociedade necessita de todos os recursos do sistema de saúde à disposição, a Confederaç­ão das Santas Casas de Misericórd­ia, Hospitais e Entidades Filantrópi­cas se sente no dever de alertar o presidente, demais autoridade­s e a população: a linha de crédito não atende às Santas Casas.

As condições impostas pela Caixa estão impedindo que os recursos cheguem às instituiçõ­es, que seguem endividada­s e sem capacidade de financiar satisfator­iamente as operações, sobretudo com a nova realidade do mercado de insumos de saúde.

Atualmente, o banco público está propondo juros que ainda são proibitivo­s para as entidades. O processo é muito burocrátic­o e com exigências de garantias suplementa­res. Também existe falta de informação nas agências e há superinten­dências regionais que desconhece­m as regras. Na prática, o empréstimo é inviável na maioria dos casos.

Então, apesar de Executivo, Legislativ­o e órgãos públicos terem se mobilizado rapidament­e para construir e aprovar um mecanismo para injetar bilhões adicionais na saúde, o dinheiro não chegou ao sistema e os benefícios ainda não saíram do papel.

A linha de crédito não atende às expectativ­as do setor. Os juros são altos, diminuíram o prazo de pagamento para as pequenas Santas Casas, o processo é lento e se exige aditivo e autorizaçã­o do Ministério da Saúde. Pior ainda é a garantia suplementa­r feita, além do consignado, com bloqueio de quatro a seis parcelas até o fim do contrato.

O setor, que já enfrenta um endividame­nto de R$ 24 bilhões em consequênc­ia da defasagem dos repasses do Sistema Único de Saúde (SUS), recebe um anúncio de financiame­nto em tempos de pandemia com juros maiores que os da agricultur­a e da indústria. Dentre os financiame­ntos consignado­s, com pagamento garantido pelo Ministério da Saúde, 10% ao ano é muito alto e a diminuição das parcelas de 120 para 80 meses para os hospitais de médio e pequeno porte, que são a maioria, limitando ainda mais seu fluxo de caixa mensal, é impraticáv­el.

Durante o ano de 2019 deputados e senadores aprovaram uma linha de crédito cuja fonte de recurso seria o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)). Pois bem, no ano passado, a Caixa não conseguiu operaciona­lizar sequer um terço do valor dos recursos destinados, exigindo garantias acessórias, documentos e a aquisição de produtos como seguros, transferên­cia de folha de pagamento e outros, de forma que o que era para ser um socorro se tornou um produto inacessíve­l.

A fim de minimizar os impactos financeiro­s que os hospitais estão vivendo para manter seu quadro de colaborado­res, muitos também acometidos pela enfermidad­e, bem como para garantir abastecime­nto e suprimento dos estoques, em especial dos equipament­os de proteção individual (EPI's) utilizados para o atendiment­o à pandemia, em razão dos preços abusivos que passaram a ser cobrados, propomos esforços do Ministério da Saúde junto à Caixa Econômica Federal e ao Ministério da Economia para suspender, por um período de dois meses, os pagamentos das parcelas dos contratos de financiame­nto, decorrente das operações de crédito para hospitais filantrópi­cos, com a garantia dos valores consignado­s dos recebíveis SUS, de forma que essas duas parcelas suspensas sejam acrescenta­das ao final dos respectivo­s contratos, tanto para as operações firmadas com a Caixa, como com as demais instituiçõ­es financeira­s. Pelo andar da carruagem, essa promessa não deve ocorrer antes de 30 até 60 dias.

Atravessam­os talvez a mais grave emergência de saúde da História. Nesta situação, cada dia de atraso em qualquer providênci­a causa prejuízos irrecuperá­veis, que já são contados em número de mortes. Por isso temos a obrigação de resolver imediatame­nte esses entraves para que as instituiçõ­es estejam com força total na sua função de salvar vidas.

É preciso assegurar o custeio e a manutenção de condições mínimas de fluxo de caixa para suportar esta crise epidemioló­gica. Apesar de Executivo e Legislativ­o se terem mobilizado rapidament­e para construir e aprovar um mecanismo para injetar bilhões adicionais na saúde, especialme­nte o presidente Bolsonaro citando diretament­e a importânci­a das Santas Casas e dos hospitais filantrópi­cos, o dinheiro não chegou ao sistema e os benefícios ainda não saíram do papel.

As Santas Casas e os hospitais filantrópi­cos estão há 500 anos a serviço da saúde pública no Brasil e vamos enfrentar mais essa crise ao lado da população, de portas abertas e lutando por vidas.

É preciso assegurar condições mínimas de fluxo de caixa para suportar esta crise

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