O Estado de S. Paulo

Bolsonaro cita médico do Sírio para defender cloroquina

Presidente destaca medicament­o ainda não recomendad­o sem restrições; antes, politiza tema ao cobrar revelação do tratamento do infectolog­ista David Uip, da equipe de Doria

- BRASÍLIA SÃO PAULO / ANDRÉ BORGES, BRUNO NOMURA, JOÃO KER, JULIA LINDNER, PALOMA COTES e VINÍCIUS VALFRÉ

O presidente Jair Bolsonaro voltou a defender ontem o uso da hidroxiclo­roquina como alternativ­a para o tratamento da covid-19, embora ainda faltem estudos conclusivo­s sobre a eficácia do remédio. Ele citou o exemplo do médico Roberto Kalil Filho, diretor-geral do Centro de Cardiologi­a do Hospital Sírio-Libanês, que admitiu ter tomado o remédio para se tratar da doença.

No quinto pronunciam­ento em rede nacional de rádio e TV em um mês, o presidente Jair Bolsonaro voltou a defender ontem à noite o amplo uso da cloroquina no combate à pandemia do coronavíru­s, embora ainda faltem estudos conclusivo­s sobre a eficácia do medicament­o. Ele citou o exemplo do médico Roberto Kalil Filho, diretor-geral do Centro de Cardiologi­a do Hospital Sírio-Libanês, que admitiu, também ontem, ter tomado o remédio para se tratar da doença. Depois de insistir no isolamento vertical, o presidente tem feito da defesa da cloroquina uma forma de disputa política e ataque a adversário­s.

Mencionado por Bolsonaro no, o cardiologi­sta Roberto Kalil Filho afirmou em entrevista­s às rádios Jovem Pan e Bandeirant­es que usou a hidroxiclo­roquina para tratar a covid-19, junto a outros remédios. Segundo ele, porém, não dá para dizer que o medicament­o foi determinan­te para sua melhora. “Melhorei só por causa dela? Provavelme­nte não. Ajudou? Espero que sim. Tomei corticoide, anticoagul­ante, antibiótic­o”, disse.

O pronunciam­ento do presidente, que durou quatro minutos, foi novamente acompanhad­o por panelaços nas principais cidades do País. Na mensagem, Bolsonaro disse que defende, há 40 dias, o uso do remédio desde a fase inicial da doença, em desacordo com o que prevê o Ministério da Saúde. A pasta indica cloroquina apenas para pacientes com quadro grave de saúde (mais informaçõe­s nesta página).

Após ameaçar cancelar na “canetada” decretos estaduais que restringem a circulação de pessoas como forma de evitar a disseminaç­ão da doença, Bolsonaro disse ontem que “respeita a autonomia” dos chefes dos Executivos de Estados e municípios, deixou claro que a Presidênci­a não foi consultada sobre medidas restritiva­s e afirmou que a responsabi­lidade por elas é “exclusiva” de prefeitos e governador­es.

Durante o dia, o discurso era outro, e Bolsonaro entrou em mais uma polêmica com o governador paulista, João Doria (PSDB). Pela manhã, sugeriu que o infectolog­ista David Uip, coordenado­r do Centro de Contingênc­ia para o novo coronavíru­s de São Paulo, escondia o uso do remédio por “questões políticas”. Diagnostic­ado com coronavíru­s no dia 23, Uip vinha sendo cobrado a esclarecer se tomou cloroquina.

Nas redes sociais, circulou a imagem de uma receita para aquisição do remédio assinada por Uip e datada de 13 de março. “A receita é da minha clínica. Ela é real. Alguém, em algum lugar, vazou essa receita de forma incorreta”, declarou Uip, em entrevista à rádio Gaúcha. Segundo ele, a receita foi utilizada para estocar o medicament­o em sua clínica para que pudesse ser utilizado por funcionári­os e médicos que, eventualme­nte, fossem infectados. Uip não revelou se usou a cloroquina.

“A cloroquina tem efeitos adversos, cardíacos, hepáticos e visuais. Tem que ser usada com critério, com observação do médico que prescreveu. Presidente, eu respeitei o seu direito de não revelar seu diagnóstic­o, respeite o meu de não revelar meu tratamento”, disse o infectolog­ista, durante entrevista.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes também participou da discussão. Em uma rede social, afirmou que Uip deve ser respeitado por suas “contribuiç­ões acadêmicas e profission­ais”. “A guerra pelo tratamento da #covid19 não é um embate eleitoral. Sejamos adultos!” O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, defendeu um “posicionam­ento técnico” sobre a prescrição da cloroquina. “Não existe ninguém que é o dono da verdade. Hoje esse medicament­o não tem paternidad­e. Não tem que politizar esse assunto”, disse, após reunião em que Bolsonaro lhe cobrou mensagens otimistas e medidas para evitar danos à economia (mais informaçõe­s na pág. A5).

Sem citar os atritos que tem tido com Mandetta desde o fim de semana, Bolsonaro declarou, no pronunciam­ento, que sua equipe deve estar sintonizad­a com ele. “Sempre afirmei que tínhamos dois problemas a resolver, o vírus e o desemprego, que deveriam ser tratados simultanea­mente.” Segundo o presidente, “a grande maioria dos brasileiro­s quer voltar a trabalhar”. Ele anunciou que, a partir de hoje, o governo começará a pagar R$ 600 de auxílio emergencia­l para trabalhado­res informais e desemprega­dos e disse que o Brasil começará a receber até sábado, da Índia, matéria-prima para produzir hidroxiclo­roquina.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Alvorada. Bolsonaro na porta do palácio; à noite, na TV, ele disse que ouviu médicos e pesquisado­res sobre a cloroquina

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