O Estado de S. Paulo

‘Grandes empresas talvez tenham de pagar mais imposto’

Presidente do Bradesco projeta queda de até 4% do PIB e diz que será preciso novo esforço fiscal a partir de 2021

- Aline Bronzati

Para o executivo, o governo terá de gastar mais durante a crise provocada pelo novo coronavíru­s e, em 2021, “entrar em novo ciclo para ver como recupera tudo isso”. “Talvez algumas empresas tenham de pagar mais imposto, as grandes empresas.” Segundo Lazari, “não dá para tirar da pessoa que está desemprega­da, das pessoas mais pobres”.

Com a pandemia do novo coronavíru­s, a demanda por crédito no Bradesco aumentou dez vezes, passando de cerca de R$ 2 bilhões de pedidos para R$ 20 bilhões por dia. Foram três dias de loucura, conforme resume o presidente do banco, Octavio de Lazari, com as grandes empresas demandando liquidez para enfrentar a crise como as pessoas estavam em busca de álcool gel. “Optamos por distribuir isso (a liquidez) ao longo do tempo porque não podemos atender somente as grandes empresas, temos de atender as pequenas.” O presidente do Bradesco vê a economia encolhendo até 4% neste ano, pior até que a estimativa do próprio banco, de queda de 1%, e diz que o impacto fiscal terá de ser resolvido a partir de 2021. Do lado dos bancos, a inadimplên­cia tende a ser mais severa que em outras crises, mas garante que o sistema está bem capitaliza­do. Lazari diz que está enfrentand­o a pandemia de coronavíru­s “vivendo um dia de cada vez”. “Vamos em frente. Vai passar”, afirma o executivo, que completou no mês passado dois anos na presidênci­a do Bradesco.

A injeção de liquidez de mais de R$ 1 trilhão por meio de medidas do Banco Central está chegando na ponta? O que os bancos estão fazendo com essa liquidez?

O Banco Central vem tomando uma série de medidas ao longo do tempo para poder injetar mais liquidez na economia. Foram medidas muito boas e tempestiva­s. Logo que todo esse problema começou, os bancos privados, Bradesco, Itaú e Santander, já saíram com a condição de o cliente poder prorrogar sua dívida por 60 dias. Até ontem, só o Bradesco já contava com 993 mil pedidos de prorrogaçã­o. Todos, sem exceção, estão sendo implementa­dos com a mesma taxa de contrato, independen­temente se o cliente está com restrição. Não nos interessa. Todos que estão pedindo, nós estamos prorrogand­o

Os 60 dias de carência serão suficiente­s diante da duração dessa crise?

Nós, do Bradesco, imaginamos que os 60 dias não serão o suficiente. É muito provável que esse prazo se estenda. Já estamos pensando em como vamos fazer daqui a 30, 60 dias, para prorrogar por mais 60 dias, que talvez seja o prazo mais adequado.

Essa é uma iniciativa do banco ou uma orientação do BC?

Não é nem uma iniciativa. É um pensamento do banco. Já conversei com o Cândido (Bracher, presidente do Itaú Unibanco) e o (Sergio) Rial (presidente do Santander). Já estamos pensando nisso para que as pessoas possam ficar tranquilas.

O Bradesco foi o primeiro a anunciar o crédito para folhas de pagamento. Quantas empresas já acessaram esta linha?

Nós levamos essa proposta ao Banco Central e rapidament­e implementa­mos. Temos já aprovado 54 mil empresas clientes do Bradesco que estão com seus limites aprovados. São 92% das empresas que pagam suas folhas pelo Bradesco com faturament­o entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões. Dessas, 4,7 mil empresas já tomaram crédito.

O Bradesco está mais otimista (que a média do mercado) e projeta queda de apenas 1% no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano. O efeito atual será limitado ou a recuperaçã­o será muito forte? Respeito a opinião do nosso economista, Fernando Honorato, ele até vai me perdoar. Mas, pelo que estamos vendo e a extensão do que ocorreu na Itália, Espanha e até nos Estados Unidos, que é (um país) riquíssimo, eu diria que estamos indo muito mais para um PIB negativo de 3% a 4%. Não sabemos ainda a extensão desse problema. Também acho que, se a gente conseguir passar por esse momento, achatar a curva e não ter um caos na saúde, não é que a economia vai se recuperar em ‘V’, mas pode ter uma recuperaçã­o melhor, porque é muito pulverizad­a. Vamos passar um aperto muito grande de perda de emprego, fechamento de empresas. Isso está dado e não tem como evitar. Portanto, vamos ter uma perda de PIB consideráv­el.

O governo assumiu com um discurso de recuperaçã­o da economia. A demora em ceder em torno de medidas que vão afetar o fiscal, mas são necessária­s por conta da pandemia, pode custar um preço ainda mais alto para o País?

Estamos falando que governo demorou para agir. Agora, façam um comparativ­o das medidas que o governo tomou. Para R$ 600 em três parcelas para mais de 50 milhões de pessoas que sequer são bancarizad­as, é diferente de fazer isso na Europa. Só ontem a Caixa registrou mais de dez milhões (de registros). Nós, bancos privados, pedimos para ajudar a pagar essas pessoas. Imediatame­nte, abriram a possibilid­ade de o cliente escolher o banco e a conta. A Caixa está mandando isso para nós. Vamos fazer o crédito. Se essas pessoas tiverem dívida conosco, cheque especial ou atraso, não tem problema algum, esse dinheiro estará preservado. Não vamos cobrar nada. Estamos fazendo isso para ajudar a população brasileira e o sistema financeiro.

Qual a diferença da crise de 2008 para essa?

Não temos um problema financeiro, diferente do que aconteceu em 2008. Aliás, de vários problemas financeiro­s que acontecera­m nas últimas década. Nós temos, agora, um problema de saúde, de vida, de sobrevivên­cia. Não importa se eu sou rico ou se eu sou pobre. Se eu tiver coronavíru­s e não tiver respirador, eu posso ser um bilionário ou morar em uma comunidade carente, o meu risco é exatamente o mesmo, exatamente igual. As medidas do BC e do governo parecem que são prolongada­s e demoradas, mas faça um comparativ­o com outros países do mundo. Para a estrutura que o Brasil tem, as medidas foram tomadas em uma velocidade muito boa. Eu sei que as pessoas têm fome, precisam de dinheiro, ninguém mais do que nós estamos brigando, falando com o Banco Central para que exista rapidez nesse processo todo. Acho que estamos fazendo as coisas corretas.

Qual será o caminho para reaver o processo de aperto fiscal depois desse gasto feito?

O fiscal não tem jeito. O governo vai ter de gastar e depois ver como fica. Provavelme­nte, a partir de 2021 vamos ter de entrar em novo ciclo para ver como recupera tudo isso. Talvez, algumas empresas vão ter de pagar mais imposto, as grandes empresas. Pode ser um caminho. Talvez, a gente tenha de dar essa contribuiç­ão e será feito. Não dá para tirar da pessoa que está desemprega­da, das pessoas mais pobres. Então, vai ter de ser feito um ajuste. Quem tem mais, vai ter de dar uma contribuiç­ão maior. Não só os bancos. Todas as grandes empresas, os grandes investidor­es. Ao longo do tempo, com a economia se recuperand­o e o governo arrecadand­o mais, é que vamos conseguir resolver o fiscal. Então, vamos empurrar esse problema para 2021, 2022, 2023, no longo prazo. Temos de pensar no agora, foco, achatar curva, diminuir o problema de contágio e de morte no País. O foco agora é a vida humana. A vida financeira a gente vai resolver ao longo do tempo.

“Vamos passar um aperto muito grande de perda de emprego, fechamento de empresas. Isso está dado e não tem como evitar.”

 ?? VALERIA GONCALVEZ/ESTADÃO - 25/9/2019 ?? ‘Vai passar’. Octavio de Lazari diz que hoje, com a crise, está vivendo um dia de cada vez
VALERIA GONCALVEZ/ESTADÃO - 25/9/2019 ‘Vai passar’. Octavio de Lazari diz que hoje, com a crise, está vivendo um dia de cada vez

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