O Estado de S. Paulo

Em centro de SP esvaziado, fila por almoço faz até curva

Número de refeições oferecidas pelo Serviço Franciscan­o de Solidaried­ade passou de 400 para 2,5 mil

- Priscila Mengue

A fila faz uma curva no Largo de São Francisco e desce pela Rua São Francisco em direção à Praça da Bandeira. São centenas de homens e algumas mulheres, de diversas faixas etárias, que aguardam por um prato de comida em um centro de São Paulo esvaziado pela pandemia do novo coronavíru­s.

Diferentem­ente de trabalhado­res que circulam pela região, eles não utilizam máscaras. E ainda enfrentam uma série de dificuldad­es para manter hábitos de higiene e se alimentar em um momento em que a renda está ainda mais apertada.

A distribuiç­ão de refeições pelo Serviço Franciscan­o de Solidaried­ade (Sefras) enfrenta um aumento contínuo de demanda. Segundo Frei Lucas, o número de almoços ofertados passou de cerca de 400 para aproximada­mente 2,5 mil desde o início da quarentena. Por isso, desde o dia 27, a distribuiç­ão passou a ser feita em uma tenda no Largo de São Francisco. Em 12 dias, foram mais de 37,1 mil refeições, entre almoço e jantar, que são distribuíd­as com uma bebida, como suco e água.

Dona Cida, de 63 anos, chegou a entrar na fila duas vezes para garantir a alimentaçã­o e evitar o deslocamen­to até o local no fim do dia. Hipertensa e com bronquite, ela dorme em um albergue municipal há 15 dias, depois de ter sido despejada. “Eu chorava de fome para pagar aluguel, chegava a dar dor no estômago”, diz. “Se não fosse essa comida (distribuíd­a no largo), tinha morrido.”

A idosa relata ter desmaiado na terça-feira pela primeira vez na vida. “Ficou tudo branco”, lembra. “Nunca tive isso. Mas acho que o vírus não pega em mim, acho que sou forte para o vírus. Ele vem em mim, mas não pega. Acredito muito na força do pensamento.” Ela diz preferir passar o dia pelas ruas por achar o albergue mais propício para pegar o novo coronavíru­s, por ser “muito fechado”. Com a saúde debilitada, está com dificuldad­es para catar latas de alumínio e conseguir um dinheiro além do auxílio-aluguel, de pouco mais de R$ 400.

Tudo o que tem carrega em uma bolsa a tiracolo, após o locatário ficar com seus móveis e parte das suas roupas permanecer na casa de amigos que se recusam a recebê-la durante a pandemia. “Acham que posso levar a doença da rua para eles.”

Também na fila por um prato, Luis Carlos Pereira, de 47 anos, conta que a maior dificuldad­e que encontra é para higiene. A instalação de banheiros e chuveiros pela Prefeitura no largo há menos de uma semana facilitou um pouco, mas não permite a limpeza das roupas. “O que adianta tomar banho e colocar a mesma roupa suja, me diz?”, indaga. Pereira conta que, com o esvaziamen­to da cidade, está enfrentand­o dificuldad­e para conseguir encontrar latas e papelão para vender. Por isso, acha que mais pessoas, como ele, estão procurando doações de comida no largo. Além disso, lamenta por aqueles que estão em situação ainda mais vulnerável, como pessoas com dificuldad­e de locomoção.

Adailton Souza, de 32 anos, que também aguardava por uma refeição, costuma trabalhar na limpeza de vidros e como malabarist­a no semáforo. “Agora tem poucos carros na rua e nem abaixam os vidros, estão com mais medo da gente.”

Já o eletricist­a Pedro Edgar Fernandez, de 45 anos, costuma buscar refeições com os franciscan­os desde novembro, quando ficou desemprega­do. De Buenos Aires, se mudou para o País há sete anos, mas, após uma demissão em massa, não conseguiu emprego formal. Ele diz que está mais difícil conseguir até oportunida­des informais. “Vou caminhando e olhando para placas, pergunto e já deixo currículo. Consegui um na Mooca, mas pediram para esperar acabar a quarentena.”

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FELIPE RAU/ESTADÃO Largo. Centenas de pessoas esperam por prato de comida

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