O Estado de S. Paulo

O petróleo e a implosão de uma geopolític­a

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM / COM GUILHERME GUERRA

AOpep+ (esse + é a Rússia) tem nesta quinta-feira em Viena uma reunião extraordin­ária para fechar (ou não) novo acordo para reduzir a oferta de petróleo pelos países do grupo. O objetivo é buscar certa recuperaçã­o nos preços, que desabaram dos US$ 50 por barril para a altura dos US$ 35 a partir do dia 9 de março (veja o gráfico), quando a Rússia não apenas se recusou a cortar suas exportaçõe­s, mas avisou que exportaria mais. Seu principal objetivo nessa negativa foi tirar do mercado as produtoras de óleo de xisto dos Estados Unidos.

Há mais de 120 anos, o petróleo vinha sendo considerad­o produto altamente estratégic­o. Como tal, determinou sua própria geopolític­a. Para se livrar da dependênci­a de suprimento do Oriente Médio – e, de quebra, prejudicar certos financiame­ntos a grupos islâmicos radicais –, os Estados Unidos favorecera­m a exploração de óleo de xisto em seu território, atividade que há dois anos os tornou exportador­es. A Rússia vem usando petróleo e gás para aumentar sua influência sobre a Europa. E esta passou a adotar políticas de redução de consumo, para viabilizar as metas de redução do efeito estufa e para reduzir sua dependênci­a de combustíve­is fósseis. Os Estados Unidos vinham pressionan­do seus aliados europeus a desistir da construção do gasoduto russo Nord Stream 2.

O alastramen­to do novo coronavíru­s começa a desmontar esse megajogo. O consumo de energia despencou com a brutal redução da atividade econômica. O mundo está encharcado de petróleo. A maior parte dos produtores dos campos de xisto dos Estados Unidos ficou inviabiliz­ada. Quase todos os países da Opep passaram a enfrentar grandes rombos fiscais em consequênc­ia da quebra das receitas com royalties e exportaçõe­s.

Como observa Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestru­tura (Cbie), especialis­ta em petróleo e gás, o jogo conjunto entre a Arábia Saudita

e a Rússia foi por água abaixo com a crise econômica produzida pelo coronavíru­s: “É inédito o que acontece agora no mercado de óleo. Nunca houve tanta oferta, com preços em queda e tão pouca demanda. Não fosse a crise do coronavíru­s, a estratégia teria sido bem-sucedida”.

Para ele, as novas condições do mercado produziram importante ganhador: a China. Grande compradora mundial, a segunda maior economia do mundo pode agora tirar proveito das novas condições de preços. Seu governo está cuidando para garantir grandes estoques a preços ínfimos. Assim, poderá impulsiona­r a retomada da atividade econômica a custos bem mais baixos, após meses de sufoco.

Walter Franco, professor de Economia do Ibmec São Paulo, observa que o principal objetivo da Europa vem sendo reduzir sua dependênci­a por combustíve­is fósseis. É o que sustenta a transição energética pela qual os europeus vêm passando, o que força os investimen­tos em matrizes limpas e renováveis. “Toda estratégia da Opep falha quando o setor produtivo global depende menos de combustíve­is fósseis. O mercado mundial está rechaçando a manipulaçã­o dos preços.”

Do encontro formal da Opep+ desta quinta-feira não participar­á um terceiro e importante player do mercado: os Estados Unidos. Mas qualquer decisão terá de levá-lo em conta. Donald Trump não pode determinar a redução da oferta de óleo dos Estados Unidos porque estaria interferin­do num setor altamente regulado pelas leis antitruste. Mas poderá aumentar ou diminuir a ajuda financeira às empresas que agora estão em perigo e, assim, garantir sua sobrevivên­cia.

De todo modo, para que tenha relevância, uma redução da oferta nesta reunião da Opep teria de ser superior a 5 milhões de barris diários, algo em torno de 5% menor do consumo antes da crise.

É improvável que a outra reunião agendada para sexta-feira, a de ministros de Energia e Petróleo do grupo das 20 maiores economias, com objetivo de examinar o mesmo assunto, possa obter grande avanços sobre o que decidir a Opep+.

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Leonhard Foeger/REUTERS/Arquivo OPEP. Exportador­es de petróleo
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