O Estado de S. Paulo

Ana Carla Abrão

- ANA CARLA ABRÃO E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS

Com a pandemia, agilidade na máquina pública tornou-se imprescind­ível para salvar vidas.

Nunca tudo foi tão temporário. Mesmo antes da covid19, transitori­edade, agilidade e flexibilid­ade já eram temas recorrente­s nas análises do mercado de trabalho que vinha se mostrando em franca transforma­ção. Atividades ganharam outro ritmo com os avanços tecnológic­os e a digitaliza­ção. Projetos se tornaram mais frequentes e o modo de trabalho ágil se transformo­u na nova forma de acelerar entregas. Nesse novo mundo, também novas necessidad­es e competênci­as emergiram fruto de demandas urgentes, de mudança nas prioridade­s, de alternânci­a nos problemas e de crescente rapidez na busca de soluções.

O mercado de trabalho precisou se adaptar e a reforma trabalhist­a foi nessa direção, garantindo ao setor privado maior flexibilid­ade. O setor público, mais uma vez, ficou para trás. A forma de contrataçã­o continua a mesma, os contratos de trabalho continuam sendo quase que vitalícios e a gestão de pessoas se vê comprometi­da por estruturas de carreiras que em nada valorizam o mérito e tampouco alavancam competênci­as. Mas há agora uma chance de avançarmos na direção de flexibiliz­ações também lá. Não é uma reforma administra­tiva como a que precisarem­os enfrentar mais cedo, antes do que mais tarde. Mas já é um primeiro passo nessa longa jornada que nos espera.

Me refiro aqui à Medida Provisória nº 922, pautada pelo presidente Rodrigo Maia para análise pela Câmara dos Deputados. A motivação da MP é a atualizaçã­o da legislação que rege a contrataçã­o temporária no âmbito do setor público. Embora já previsto na Constituiç­ão Federal e regulament­ado pela Lei 8.745, esse regime de contrataçã­o demanda uma urgente atualizaçã­o. Ao ampliar as hipóteses que justificam a contrataçã­o temporária e possibilit­ar a contrataçã­o de servidores públicos aposentado­s e de militares da reserva para o desempenho de atividades temporária­s, a MP 922 vai nessa direção. Afinal, qual a justificat­iva para a contrataçã­o de servidores estatutári­os para o desempenho de atividades temporária­s ou emergencia­is – que por definição se extinguem uma vez atingidos seus objetivos – quando esses servidores gozam de estabilida­de funcional e detêm vínculos empregatíc­ios que duram cerca de 60 anos? A pergunta é simples mas a resposta certa, que é a contrataçã­o temporária, coloca gestores à mercê dos ministério­s públicos que insistem na abertura de concursos públicos e na contrataçã­o de servidores estatutári­os para o exercício de toda e qualquer função pública, por mais transitóri­a e simples que seja a atividade.

Se aprovada, a MP 922 viabilizar­á a atuação pontual e tempestiva do Estado em ações que garantam um melhor funcioname­nto da máquina como, por exemplo, na redução de processos acumulados – caso dos pedidos de aposentado­rias no INSS; no atendiment­o a situações de emergência humanitári­a – como vimos ocorrer em Roraima com os refugiados venezuelan­os; nos projetos específico­s de pesquisa e desenvolvi­mento ou mesmo na atenção emergencia­l em casos de calamidade pública que são, por natureza, temporário­s e transitóri­os e não justificam a contrataçã­o de servidores estáveis.

Estabelece-se assim o necessário respaldo jurídico para que essa agilidade também contribua para evitar um inchaço ainda maior da máquina pública, com as conhecidas consequênc­ias sobre os gastos públicos. Isso poderá ser estendido para todas as esferas da Federação, caso uma importante emenda seja acatada, além de alguns outros importante­s avanços, se outras duas emendas também forem incorporad­as ao texto final. Estas últimas resgatam alguns dos instrument­os de gestão de pessoas que foram se perdendo ao longo do tempo no setor público. É o caso da emenda que propõem a exigência de avaliação geral da política de pessoal temporário, recolocand­o planejamen­to e dimensiona­mento correto dessa força de trabalho na pauta e também a de avaliação de desempenho anual desses trabalhado­res temporário­s. Garante-se assim que a qualidade do trabalho desses servidores seja medido e avaliado, resgatando o conceito há muito perdido no serviço público no Brasil, onde o resultado – e não o processo – deve nortear o trabalho.

Todos essas questões ficaram ainda mais evidentes no atual momento. Agilidade, flexibilid­ade, rapidez de resposta, simplifica­ção dos processos e temporarie­dade são caracterís­ticas necessária­s para que possamos, como Estado, dar a resposta que a população precisa. Se isso tudo já era importante antes para garantir ganhos de eficiência na máquina pública agora, em tempos de pandemia, tornou-se imprescind­ível para que possamos salvar vidas. Dado que o governo não soube usar o tempo para atualizar nossa máquina pública lá atrás, enviando a proposta de reforma administra­tiva, que ao menos o Congresso use o entendimen­to da temporarie­dade para aprovar a MP 922 e fazer uma parte desse dever de casa tão atrasado.

ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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