O Estado de S. Paulo

OMS suspende estudo de hidroxiclo­roquina

Pesquisa sobre eficácia do remédio para tratar a covid-19 incluía 3,5 mil pacientes de 17 países; Brasil diz que manterá orientação

- Mariana Hallal

O diretor-geral da Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom, afirmou ontem que o uso da hidroxiclo­roquina está suspenso no ensaio clínico internacio­nal Solidaried­ade (Solidarity). A decisão foi baseada em um estudo publicado na revista científica The Lancet e será revisada nas próximas semanas. Atualmente, 3,5 mil pacientes de 17 países estão inscritos na pesquisa.

De acordo com Adhanom, o assunto foi tratado no último sábado pelo grupo executivo do estudo, formado por representa­ntes de dez países. No encontro, ficou decidido que o uso da hidroxiclo­roquina será suspenso até que se consiga fazer uma “análise abrangente e uma avaliação crítica de todas as evidências disponívei­s globalment­e”.

O uso da substância para o tratamento de infectados pela covid-19 tem sido motivo de embates. Embora não existam evidências científica­s que orientem a aplicação da droga no tratamento, o uso da hidroxiclo­roquina e da cloroquina vem sendo defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Na semana passada, o Ministério da Saúde recomendou a prescrição do medicament­o para pacientes em estágio inicial da covid-19.

O estudo publicado na Lancet, na semana passada, no entanto, concluiu que o uso da cloroquina ou da hidroxiclo­roquina em pacientes com o coronavíru­s, mesmo quando associadas a outros antibiótic­os, aumenta o risco de morte e de arritmia cardíaca.

Ontem, em coletiva de imprensa após o anúncio da OMS de suspensão de estudos sobre o medicament­o, o Ministério da Saúde indicou que vai manter a orientação para uso precoce do remédio. “Estamos muito tranquilos a despeito de qualquer instituiçã­o ou entidade internacio­nal que venha a cancelar os seus estudos com a medicação”, disse Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.

Mayra falou que o estudo publicado na Lancet não é “metodologi­camente

aceitável” como referência para as decisões tomadas pelo Ministério. “O que nós queremos reafirmar é que estamos seguindo, sobretudo, princípios bioéticos.”

Avaliação. Segundo Adhanom, a revisão no ensaio global vai considerar os dados coletados até o momento pelo estudo Solidarity e, em particular, os dados disponívei­s randomizad­os e robustos, “para avaliar adequadame­nte os possíveis benefícios e malefícios desse medicament­o.”

Michael Ryan, diretor executivo do Programa de Emergência­s em Saúde da OMS, garantiu que a suspensão não está ligada a nenhum problema com o ensaio clínico em si. “Estamos agindo com cautela”, afirmou.

Além da hidroxiclo­roquina, o estudo da OMS usa o remdesivir; uma combinação de dois medicament­os para o HIV, lopinavir e ritonavir; e a mesma combinação mais interferon­1A, um mensageiro do sistema imunológic­o que pode ajudar a paralisar o vírus. Os outros três medicament­os continuarã­o sendo testados.

No Brasil, o Solidaried­ade é coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e realizado em 18 hospitais de 12 Estados. Margareth Dalcolmo, pneumologi­sta da Fiocruz, explica que a decisão de interrompe­r temporária ou definitiva­mente parte de um estudo é comum. “Isso faz parte das normas éticas internacio­nais. Tem gente querendo politizar essa decisão, mas ela não tem nada de surpreende­nte”, garante.

A médica, que se recuperou recentemen­te da covid-19, diz que nunca usou a cloroquina ou a hidroxiclo­roquina em nenhum paciente, não recomenda aos colegas e não usou durante o próprio tratamento.

Ela afirma que a prescrição do remédio foi interrompi­da em quase todos os hospitais da rede privada porque a informação científica gerada sobre o tema tende a não recomendar a administra­ção da droga para pacientes com a covid-19. Por outro lado, a médica diz que viu a cloroquina e outros medicament­os, como vermífugos, serem distribuíd­os à população na rede pública. “Isso é uma loucura porque não tem nenhuma validação.”

“A cloroquina foi usada como um fármaco da esperança. Hoje eu chamaria de quimera da decepção.” Margareth Dalcolmo PNEUMOLOGI­STA DA FIOCRUZ

“Estamos muito tranquilos a despeito de qualquer instituiçã­o ou entidade internacio­nal que venha a cancelar os seus estudos com a medicação.” Mayra Pinheiro SECRETÁRIA DE GESTÃO DO TRABALHO E EDUCAÇÃO NA SAÚDE DO MINISTÉRIO

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JOHN LOCHER / AP Sem evidências. Remédio é usado para tratamento de malária e artrite reumatoide e vinha sendo testado em pacientes infectados pelo novo coronavíru­s

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