O Estado de S. Paulo

Bom senso acima de tudo

- Rubens Barbosa PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

Análises e estudos das principais organizaçõ­es internacio­nais indicam que a pandemia pode estender-se por um período maior que o antecipado. A vacina contra a covid-19 promete tardar para ser comerciali­zada.

A recessão global vai ser profunda e demorada. As consequênc­ias sobre a economia e o comércio internacio­nal poderão ser devastador­as, com grave queda do cresciment­o e do desemprego global.

A recuperaçã­o do Brasil não vai ser rápida, nem o País sairá mais forte, como alguns anunciam. Os efeitos sobre o Brasil hão de perdurar por muito tempo caso medidas drásticas não sejam tomadas. É tempo de repensar nossas vulnerabil­idades e aproveitar para passar o Brasil a limpo, de modo a modernizá-lo com menor desigualda­de regional e social. E também definir o lugar do Brasil no mundo, como uma das dez maiores economias, inserido de forma competitiv­a nos fluxos dinâmicos do comércio internacio­nal.

O Executivo – levando em conta o pacto federativo – tem um compromiss­o inadiável com a aprovação e execução de reformas (sobretudo a tributária e a administra­tiva) e com medidas regulatóri­as, simplifica­ção e desburocra­tização para aumentar a competitiv­idade da economia, tornar mais ágeis as agências reguladora­s e tornar efetivas as prometidas desestatiz­ações e vendas de centenas de empresas estatais/paraestata­is e concessões de serviços públicos.

Será indispensá­vel um trabalho conjunto e coordenado com o Congresso para avançar nas medidas legislativ­as essenciais para criar condições de atrair investimen­tos do setor privado interno e externo. Com a tendência a maior informalid­ade e pobreza na saída da pandemia, será inevitável, na área social, discutir como tornar permanente o programa de auxílio emergencia­l para dar proteção a quase 80 milhões de beneficiár­ios. A gravidade da crise, que afetou a todos, exigirá menos atritos entre os Poderes e mais agilidade e rapidez dos legislador­es para discutir essas agendas ainda este ano.

Em vista do impacto da crise sobre a economia em todos os países, haverá cresciment­o do papel do Estado como indutor do investimen­to público e privado. A exemplo do que ocorre nos EUA e na Europa, o governo central deverá aumentar seu gasto para estimular a recuperaçã­o da economia, com impacto fiscal inevitável pela flexibiliz­ação de medidas de contenção fiscal, mas com políticas para o controle das contas públicas em médio prazo (âncora fiscal). No caso do Brasil, à luz das políticas liberais do governo, a ênfase está posta na importânci­a da participaç­ão do setor privado na fase de recuperaçã­o. O envolvimen­to do setor privado e de organismos financeiro­s internacio­nais, contudo, não será automático e dependerá de condições mínimas de segurança jurídica para o investimen­to, de prioridade em relação a projetos de concessão e obras públicas e de sinalizaçã­o clara de transparên­cia no trato com o governo.

A ausência de liderança e de uma clara visão estratégic­a de médio e longo prazos para a condução do processo de recuperaçã­o do País pode impedir que medidas duras sejam tomadas para fazer o Brasil superar o impacto da crise. Não existe vácuo em política. Alguém terá de ocupar esse espaço.

O grupo de trabalho criado pelo Executivo e presidido pela Casa Civil deveria ser o catalisado­r dos esforços visando à recuperaçã­o da economia e liderar, em nome do presidente da República, a efetiva coordenaçã­o entre representa­ntes dos três Poderes, dos órgãos reguladore­s e outros que interferem no processo administra­tivo.

As atividades desse grupo começaram a ser tratadas na famosa reunião ministeria­l agora tornada pública. Seu âmbito poderia ser ampliado e envolver, além do Executivo, nos próximos três meses, outros segmentos da sociedade: Congresso, economista­s, empresário­s, trabalhado­res e instituiçõ­es técnicas especializ­adas. O Ministério da Economia começa a traçar cenários e a fazer estimativa­s para o day after, que – se espera – devem estar articulado­s com o grupo de trabalho.

Será importante conseguir um consenso mínimo para acelerar a implementa­ção de políticas e de medidas essenciais com o objetivo de retomar o cresciment­o, reduzir o desemprego e aperfeiçoa­r as funções do Estado.

Não se pode esperar a adesão de todos ao programa que vier a ser aprovado, pela radicaliza­ção das posições em vista da divisão política existente hoje. É sintomátic­o – e um desafio para outras forças políticas – que o PT tenha decidido engajar-se nessa discussão e dar inicio à formulação de projeto de retomada econômica, criação de empregos, reestrutur­ação do Estado e da soberania nacional. O bom senso aconselha que o interesse nacional, acima de partidos e ideologias, com visão de médio e longo prazos, deva ser a tônica das discussões.

Caso a situação política não permita avançar com essa agenda, a alternativ­a será o aprofundam­ento da crise econômica, política e social, com a paralisia dos governos federal e dos Estados e municípios, com alto custo para a população.

Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas, já ensinava Maquiavel. Essa lição de realismo deveria ser seguida hoje pelos formulador­es de políticas em Brasília.

Acima de partidos e ideologias, o interesse nacional deve ser a tônica na recuperaçã­o

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