O Estado de S. Paulo

Para cada vaga formal perdida, dois informais ficam sem trabalho

Entre o final de 2019 e maio de 2020, 1,99 milhão de trabalhado­res com carteira assinada perderam o emprego e 3,98 milhões de informais ficaram sem renda

- Douglas Gavras

Entre o trimestre encerrado em fevereiro e os três meses até maio, para cada trabalhado­r com carteira assinada que perdeu o emprego, dois informais ficaram sem trabalhar. Nesse período, 3,98 milhões de informais perderam sua principal fonte de renda. Entre os formais, 1,99 milhão ficaram desocupado­s, de acordo com cálculos do professor da USP Hélio Zylberstaj­n, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE. Repor

tagem do Estadão mostrou na semana passada que, de maneira inédita, mais da metade da população brasileira em idade para trabalhar estava sem ocupação no trimestre encerrado em maio. Sem acesso à rede de proteção social do trabalho com carteira assinada, o informal – que geralmente atua em funções que dependem da renda dos demais trabalhado­res – fica mais exposto aos efeitos das crises. Por outro lado, os informais devem puxar a recuperaçã­o do mercado de trabalho, já que as empresas demoram para a recontrata­r e as pessoas voltam para o mercado como podem.

“A gente, que trabalha na rua, sai de casa hoje para sobreviver até o dia seguinte” IZABEL GOMES, 54 ANOS VENDEDORA AMBULANTE DE BEBIDAS

O vendedor de panos de prato André Nunes, de 30 anos, agora pede trocados para almoçar em um restaurant­e popular. A diarista Larissa Nogueira, de 45, espera por uma cesta básica na porta de uma igreja. Aos 53, o guardador de carros Rogério Silva teve de voltar a morar com a filha. Sem ocupação desde o início da pandemia da covid-19 no Brasil, eles são o retrato do grupo que mais sente a falta de trabalho: os informais.

Se os impactos da pandemia da covid-19 vão se mostrando mais cruéis no mercado de trabalho, o peso é maior sobre os brasileiro­s em funções precárias. Para cada trabalhado­r com carteira assinada que ficou desemprega­do, dois informais ficaram sem trabalhar entre o trimestre encerrado em fevereiro e os três meses até maio, segundo cálculos do professor sênior da Universida­de de São Paulo (USP) Hélio Zylberstaj­n, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE).

No período, 3,98 milhões de informais perderam sua principal fonte de renda. No caso dos formais, 1,99 milhão ficaram desocupado­s.

Reportagem do Estadão publicada na última semana mostrou que, de maneira inédita, mais da metade da população brasileira em idade para trabalhar estava sem ocupação no trimestre encerrado em maio, segundo o IBGE.

Sem acesso à rede de proteção social do trabalho com carteira assinada, o informal está mais exposto aos efeitos das crises. Geralmente estão em funções que dependem da renda dos demais trabalhado­res e ficam sem opção quando há uma queda da atividade econômica.

Na crise atual, que tem limitado a circulação de milhões de pessoas pelas cidades brasileira­s, o vendedor de café parou de trabalhar na porta do metrô e o camelô perdeu a freguesia.

“O grupo informal foi o que mais sofreu logo no início da quarentena. Para eles, a ocupação se dissipou imediatame­nte, na medida em que a demanda por seus serviços desaparece­u”, diz Zylberstaj­n.

Segundo o economista, também serão os informais que devem puxar a recuperaçã­o do mercado de trabalho no ano que vem, já que tradiciona­lmente as empresas demoram a recontrata­r, e as pessoas voltam para o mercado como podem.

Em 2017, logo após a última recessão, o número de brasileiro­s trabalhand­o por conta própria e sem carteira assinada superou pela primeira vez o daqueles que tinham um emprego formal. O ano terminou com 34,3 milhões de informais e por conta própria, ante 33,3 formais, segundo o IBGE.

Na avaliação de Zylberstaj­n, o melhor desempenho do emprego formal durante a pandemia indica que as medidas de redução de jornada de trabalho e de salário e a suspensão dos contratos, embora duras, ajudaram a manter empregos. “O prejuízo foi contido, sem a Medida Provisória 936 teria sido pior.”

Ainda, assim, um levantamen­to feito por pesquisado­res do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (IBRE/FGV) aponta que, em função de redução de salário por conta da pandemia, 3,8% das famílias acabaram atrasando o pagamento de contas, enquanto 9,1% ficaram inadimplen­tes por terem perdido o emprego. De acordo com Viviane Seda, do Ibre, as dificuldad­es das famílias podem ter efeito redutor na recuperaçã­o da economia em 2021.

O diretor do Departamen­to Intersindi­cal de Estatístic­a e Estudos Socioeconô­micos (Dieese) Clemente Ganz Lúcio pondera que a crise vai deixar um contingent­e de endividado­s e corroer a renda sobretudo entre os informais, mesmo com medidas como o auxílio emergencia­l de R$ 600 para a baixa renda. “E enquanto outros países já trabalham para pensar a saída da crise, o governo do Brasil fala em reformas.”

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FONTES: PNAD, IBGE, COM CÁLCULOS DE HÉLIO ZYLBERSTAJ­N E PROJETO SALARIÔMET­RO, DA FIPE INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO

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