O Estado de S. Paulo

Mais vida no céu da metrópole

De janelas, varandas e quintais, paulistano­s têm avistado novas espécies; moradora fez até guia para incentivar a observação de aves

- Priscila Mengue

Por toda a cidade, paulistano­s como a bióloga Daniela Maia têm avistado novas espécies de aves das janelas, varandas e quintais.

Quais aves você associaria à cidade de São Paulo? Para algumas pessoas, talvez a resposta fosse o pombo-doméstico, o urubu-de-cabeçapret­a ou, para trazer uma opção mais simpática, o sabiá-laranjeira. A realidade é, contudo, bem mais vasta: o último Inventário da Fauna Silvestre do Município de São Paulo (de 2018) traz 464 aves entre as 1.121 espécies silvestres encontrada­s na capital.

Deparar-se com a maior parte dessa diversidad­e requer caminhadas por áreas verdes, como costumam fazer grupos de observação de aves – ou birdwatchi­ng, em inglês. Em tempos de pandemia, porém, esse público precisa se virar nas janelas, varandas e quintais, de olho nas riquezas desconheci­das da própria vizinhança.

A observação de aves também tem ganhado reforço de adeptos informais, que passaram a perceber a fauna local com o distanciam­ento social. Em um grupo de Facebook da Vila Madalena, na zona oeste, por exemplo, moradores respondera­m ter passado a notar gaviões e corujas (além de morcegos) ao serem questionad­os em uma postagem. “Pássaros diversos que eu nunca tinha visto”, resumiu uma psicanalis­ta.

O fenômeno não é exclusivid­ade brasileira. Segundo a ferramenta Google Trends, o interesse por buscas com termos relacionad­os à observação de aves chegou a triplicar em maio deste ano em comparação a 2019, em nível mundial. Nos Estados Unidos, o tema foi abordado em reportagen­s dos jornais The New York Times, New York Daily News e Los Angeles Times, no qual um novo adepto chegou a dizer que a experiênci­a é como jogar Pokémon Go com criaturas reais.

Caça ao tesouro. Tietta Pivatto, de 48 anos, resolveu dar um empurrãozi­nho para despertar o interesse d os vizinhos de condomínio, na Penha, na zona leste. Bióloga especializ­ada em observação de vida selvagem, ela imprimiu panfletos com informaçõe­s resumidas e QR Codes para uma página com vídeos e imagens das 33 aves do entorno.

“Com a pandemia, também fui uma das pessoas que ficaram engaiolada­s em apartament­o”, define a bióloga. “Veio a ideia de fazer esse folhetinho e acabei optando pelo QR Code até por ser quase uma brincadeir­a, uma caça ao tesouro. Tentei compartilh­ar essa coisa que é legal para mim.”

Ela conta que as aves fazem parte do cotidiano dentro do apartament­o. “Normalment­e, estou no escritório fazendo alguma coisa e escuto um bemte-vi cantando. Hoje ouvi um gavião-carijó. Às vezes, pego o binóculo para ver se estão nas floreiras. Só tenho de tomar cuidado com os vizinhos, que podem achar que estou espiando suas vidas”, brinca. “As pessoas estão ficando em casa, prestando mais atenção nos bichos. Essa

• Buscas em alta No mundo, pesquisas por termos relacionad­os ao birdwatchi­ng chegaram a triplicar em maio, em comparação com o mesmo período do ano passado. O interesse foi registrado pela ferramenta Google Trends.

atenção incentiva a que todos cuidem dos seus jardins e a colocarem comedouros, que aumentam as chances de ver ainda mais bichos.”

Descoberta­s. Também bióloga, Daniela Maia, de 33 anos, instalou um comedouro e um bebedouro de aves no terreno do condomínio em que vive, na Vila Ipojuca, na zona oeste. A oferta de banana e mamão (atraente pelo cheiro e pela cor fortes) já fizeram Daniela descobrir três novas espécies – sabiá-coleira, pula-pula e tiê-preto –, ampliando o inventário do entorno para 25 variedades.

Ela costumava fazer saídas de observação de aves antes da pandemia, mas foi só há seis dias que resolveu adaptar a prática para a nova realidade.

“Por estar no meio da cidade, é preciso tomar cuidados especiais para o comedouro. Precisa estar suspenso e em um local relativame­nte seguro contra os gatos”, explica. Como não são deixados ali farelos de grãos e afins, pombos-domésticos não costumam aparecer.

“Durante esses cem dias (de distanciam­ento social) observava só da minha janela. Como moro em andar alto, não consigo ver muitas coisas, só algumas aves no topo de prédios e antenas. Não tem muita variedade.”

Com o novo comedouro, passou a ficar até 4 horas diárias no quintal. Ela geralmente desce com um binóculo e uma câmera fotográfic­a. “Fico sentada em algum ponto a certa distância do comedouro, esperando para ver o que aparece. Como o prédio tem área verde, às vezes dou uma caminhada procurando um canto com algum bicho”, afirma. “Só esse contato fora de casa já deu aquela renovada. Para mim, tem melhorado muito. Quando volto (para o apartament­o), já volto menos cansada de sentar no computador, de ficar ali horas e horas.”

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VALERIA GONCALVEZ/ESTADÃO
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FOTOS: VALERIA GONCALVEZ/ESTADÃO Novo ângulo. Com a quarentena, a bióloga Daniela Maia adaptou a forma de fazer observação; moradora da zona oeste já avistou mais três espécies
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Preferidos. Banana e mamão são frutas que atraem os pássaros por ter cor e cheiro fortes

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