O Estado de S. Paulo

Restrições deixam imigrantes em limbo jurídico

Segundo a ONU, mais de 4 milhões de solicitant­es de asilo podem ficar sem documentaç­ão regular por paralisaçã­o de serviços

- Fernanda Simas

Três meses após a Organizaçã­o Mundial da Saúde declarar a pandemia do novo coronavíru­s, 161 países ainda têm restrições nas fronteiras, sendo que 99 não abrem exceção nem para os que procuram refúgio. Com isso, quem tentava sair ou voltar ao seu país de origem se vê diante de difíceis opções: ficar onde está até a crise passar, mesmo em situação irregular, ou recorrer a traficante­s de pessoas.

Segundo um relatório da Agência da ONU para Refugiados (Acnur), 4,2 milhões de solicitant­es de refúgio correm o risco de não ter sua situação regulariza­da. São pessoas que no fim de 2019 ainda aguardavam uma resposta para a solicitaçã­o. Com a pandemia, serviços consulares e emissões de vistos foram suspensos.

Na União Europeia, isso já se traduz em números. A quantidade de pedidos de asilo registrado­s em março caiu 43% comparado a fevereiro em razão da paralisaçã­o dos serviços.

“Em vários países, o número de pessoas num limbo jurídico aumenta. Nossa recomendaç­ão é que os governos forneçam a documentaç­ão necessária e coloquem as pessoas em programas sanitários”, afirma o diretor da Divisão de População da Cepal, Jorge Martínez Pizarro.

Equador, Chile e Portugal, por exemplo, prorrogara­m a validade de vistos, enquanto o Panamá ofereceu abrigo para quem não conseguia voltar a seu país de origem. No Peru, refugiados e imigrantes receberam cobertura de saúde temporária quando estavam com suspeita de covid-19.

Na América Latina, venezuelan­os que ainda tentam deixar o país se tornam alvos fáceis de traficante­s de pessoas e grupos criminosos. Segundo organizaçõ­es humanitári­as que monitoram a movimentaç­ão entre Venezuela e Colômbia, atualmente os venezuelan­os pagam até 100 mil pesos (US$ 25) para cruzar pontos de difícil acesso da fronteira perto de Cúcuta e 25 mil pesos (US$ 6) para “um

• Medidas

guia” levá-los até o outro lado.

Famílias separadas. O venezuelan­o Kabir Camero, de 26 anos, vive no Brasil desde 2017 e trabalha no Comitê Internacio­nal da Cruz Vermelha (CICV) em Roraima. Com documentaç­ão em dia e trabalho fixo, a preocupaçã­o com a mãe que ficou na Venezuela o faz pensar em voltar, mas o medo de não conseguir entrar no Brasil depois é maior. “Minha mãe vinha às vezes, mas voltava para tomar conta da nossa casa. Com a pandemia, ela não consegue mais vir e está sozinha lá. Eu fico preocupado, pensei em voltar, mas está muito difícil viajar. Talvez eu consiga sair, mas não consiga voltar para cá”, conta.

Com a pandemia, o Brasil adotou nove ações para restringir a mobilidade nas fronteiras.

O número de venezuelan­os tentando voltar ao país em razão da pandemia tem aumentado. Na Colômbia, mais de 24 mil venezuelan­os esperam para regressar, sendo que 900 estão na região fronteiriç­a, mas as restrições do governo de Nicolás Maduro podem acarretar uma espera de até seis meses para que o retorno ocorra, por corredores humanitári­os. Até junho, 76 mil venezuelan­os haviam deixado a Colômbia e retornado.

“Em vários países, o número de pessoas num limbo jurídico aumenta. Nossa recomendaç­ão é que os governos forneçam a documentaç­ão necessária” Jorge Martínez Pizarro

DIRETOR DA DIVISÃO DE

POPULAÇÃO DA CEPAL

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ALBERGUE DECANAL GUADALUPAN­O Mudança. Com pandemia, número de pessoas que passam por albergue diminui a cada mês

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