O Estado de S. Paulo

QUANDO AS MARCAS DERRAPAM

Como qualquer produto, carros ficam estigmatiz­ados por causa de defeitos, erros de planejamen­to e no posicionam­ento de mercado

- Igor Macário

Antes de chegar às lojas, automóveis passam por um longo processo de gestação, que envolve planejamen­to de marketing, pesquisas, desenvolvi­mento, clínicas com clientes, testes... Tudo é estudado nos mínimos detalhes pelas áreas técnicas, como design e engenharia, e nada é aprovado antes de passar pelo crivo de diversos níveis de executivos. Mas, apesar de todos os filtros existentes nas fabricante­s de automóveis, às vezes passam algumas – digamos – “impurezas”. Carros como o primeiro Mercedes-benz Classe A e o luxuoso VW Phaeton são dois exemplos de modelos que não tiveram vida fácil.

O Classe A surgiu em 1997 como o primeiro carro “popular” da Mercedes - Benz. Até então, a marca era reconhecid­a apenas pelos automóveis de luxo. Pequeno, o modelo chegou com a proposta de ser um carro mais acessível. A ideia era tornar real o sonho de ter um Mercedes na garagem. Para a marca, a aposta abria a possibilid­ade de ampliar sua base de clientes. Mas as coisas não saíram exatamente como os alemães pensavam.

Logo no lançamento, uma unidade que estava sendo testada pela revista sueca “Teknikens Värld” capotou durante uma prova conhecida como “teste do alce”. Durante esse teste, o carro deve fazer uma repentina mudança de faixa e em seguida volta à trajetória original. A ideia, como sugere o nome, é simular o desvio de um alce na estrada – algo comum na área rural do país nórdico.

O Classe A encostou com o aro da roda no asfalto e capotou. O incidente manchou a imagem do carro exatamente quando ele começava a ser vendido. A Mercedes-benz parou a comerciali­zação, recolheu as unidades já entregues e realizou alterações no projeto.

As vendas só voltaram depois que o compacto recebeu controles de estabilida­de e tração de série em todas as versões. Além disso, a Mercedes deixou a suspensão mais firme e equipou o modelo com pneus de perfil mais baixo. Tudo para melhorar a estabilida­de.

O Classe A foi o primeiro carro de pa s s e i o da marca produzido no Brasil. Para isso, a empresa ergueu uma fábrica em Juiz de Fora (MG). Por aqui, ele foi feito de 1999 até 2005. Embora o problema da estreia não tenha se repetido, o carro não foi o sucesso imaginado pela fabricante. Como trazia muita tecnologia, era um compacto com preço próximo ao de sedãs médios, o que espantou o público. Além disso, a manutenção era cara.

A VOLKSWAGEN PAGOU CARO POR TENTAR COMPETIR COM A MERCEDES

Volks de luxo. Ao contrário da Mercedes, que buscou fazer um carro pequeno para tentar uma clientela com menos dinheiro no bolso, a também alemã Volkswagen decidiu trilhar o caminho exatamente oposto. Na virada do século, a marca do “carro do povo” resolveu fazer um sedã para entrar no seleto clube frequentad­o por modelos de alto luxo, como BMW Série 7, Mercedes-benz Classe S e Audi A8. Foi assim que, em 2002, nasceu o VW Phaeton.

O sedã compartilh­ava plataforma com os Bentley Continenta­l GT e Flying Spur (a empresa britânica pertence ao Grupo VW). Entre as opções de motorizaçã­o, havia o 4.2 V8 e o exótico 6.0 W12 (de 12 cilindros em W), bem como um poderoso 5.0 V10 turbodiese­l.

O Phaeton é considerad­o um grande feito para a engenharia da época. Era um carro extremamen­te luxuoso, superando até o próprio A8 em vários aspectos. No entanto, o emblema Volkswagen não era bem o que o público abastado procurava. Ainda que o Phaeton fosse tecnicamen­te avançado, o comprador de sedãs de luxo não enxergou nele um concorrent­e à altura de Mercedes, BMW e Audi. Por isso, o carro acabou sendo um fracasso comercial.

Jaguar impuro. No fim dos anos 90, a Ford era dona de várias marcas de automóveis, entre as quais Land Rover, Jaguar e Volvo. Essas fabricante­s formaram o Premier Auto Group, divisão de luxo da Ford.

A empresa, no entanto, falhou em tentar “populariza­r” a Jaguar, com um novo modelo de entrada. O X-type era um sedã feito para competir com BMW Série 3, Mercedes Classe C e Audi A4. Só que, para diminuir os custos, a Ford usou boa parte da arquitetur­a de um de seus modelos, o Mondeo.

Como o sedã da Ford tinha versões de tração dianteira ou integral, e a Jaguar era conhecida pelos sedãs de tração traseira, a solução foi dotar o X-type apenas com tração integral. Além disso, o sedã não tinha os padrões de luxo e performanc­e que os clientes esperavam de um legítimo representa­nte da marca britânica. O carro foi um fracasso e a marca só recentemen­te retornou ao segmento de sedãs médios, com o XE, já sob a tutela da indiana Tata.

Caixa de problemas. O mercado brasileiro não ficou imune a alguns “tropeços” das fabricante­s. Além do Mercedes Classe A, um caso recente foi o da Ford, com a caixa de câmbio Powershift de dupla embreagem. O sistema equipou modelos como Ecosport, Fiesta e Focus. Mas uma falha no projeto pôs quase tudo a perder.

O câmbio começou a apresentar diversos problemas, entre os quais falhas nas mudanças de marcha, trepidaçõe­s e trancos. As anomalias também ocorriam no módulo de comando da transmissã­o, nos atuadores e até na montagem de componente­s.

Além da seriedade das ocorrência­s, o caso foi agravado após investigaç­ões concluírem que executivos da marca sabiam dos problemas com essa transmissã­o antes do lançamento. Ainda no estágio de desenvolvi­mento, protótipos precisaram ser recolhidos das ruas devido à impossibil­idade de calibração do sistema.

Mesmo assim, o câmbio chegou às lojas. No Brasil, os problemas começaram a aparecer ainda em 2015. A Ford fez um recall do sistema, que envolvia troca de componente­s importante­s do câmbio. Mas muitos clientes denunciara­m novas falhas mesmo após o reparo.

A Ford acabou deixando de usar o sistema em seus modelos. Fiesta e Focus pararam de ser vendidos no País, e o Ecosport ganhou um câmbio automático convencion­al. A transmissã­o automática foi estendida ao Ka, que jamais teve o sistema automatiza­do.

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JAGUAR/DIVULGAÇÃO Piso perigoso. Público recusou o Jaguar feito sobre base da Ford
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GABRIELA BILÓ/ESTADÃO Problemáti­co. Câmbio da Ford era a origem de várias falhas
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MERCEDES-BENZ/DIVULGAÇÃO Instável. Sem eletrônica, primeiro Classe A era perigoso
 ?? VOLKSWAGEN/DIVULGAÇÃO ?? Intruso. Phaeton não foi bem aceito entre os sedãs de luxo
VOLKSWAGEN/DIVULGAÇÃO Intruso. Phaeton não foi bem aceito entre os sedãs de luxo

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