O Estado de S. Paulo

Verdades incompleta­s

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Otrabalho da ministra da Agricultur­a tem sido essencial para a superação de problemas criados pela irresponsa­bilidade do presidente e de alguns ministros.

“Oagronegóc­io não precisa da Amazônia”, disse a ministra da Agricultur­a, Tereza Cristina, em mais uma resposta a quem culpa o setor pela devastação da maior floresta tropical do mundo. A defesa é correta, assim como a observação sobre os interesses comerciais – e sobretudo protecioni­stas – de muitos desses acusadores. A ministra, além disso, cumpre seu papel ao defender juros mais baixos, numa resposta indireta a comentário­s de banqueiros sobre a política ambiental. Sua fala seria mais completa, no entanto, se três fatos fossem reconhecid­os: as queimadas têm aumentado, a orientação oficial favorece a destruição e o grande promotor dessa política é o presidente da República.

Seria enorme surpresa, é claro, o reconhecim­ento desses fatos numa entrevista ou numa declaração pública, exceto se a ministra estivesse disposta a sair do governo. Mas ela mostra interesse em permanecer e continuar seu trabalho. Melhor para o País. O Ministério da Agricultur­a tem sido, como já se observou, uma ilha de seriedade num arquipélag­o de incompetên­cia, despreparo, ignorância dos interesses de Estado e politicage­m rasteira.

A ministra sabe disso, naturalmen­te. Não precisaria estar na vergonhosa reunião de 22 de abril para conhecer as aberrações em vigor no Ministério do Meio Ambiente.

Antes de conhecer a declaração do ministro Ricardo Salles sobre aproveitar a pandemia para “passar a boiada”, o mundo todo sabia, ou podia saber, do afrouxamen­to da proteção ambiental, da interferên­cia na fiscalizaç­ão e do abandono de grupos indígenas à violência de invasores.

Essa política é desastrosa para o ambiente e também para os direitos humanos em seu nível mais elementar. A proteção desses direitos também foi cobrada na carta enviada por 29 grupos investidor­es a embaixadas brasileira­s. Vidas de índios importam, poderiam ter escrito os autores da carta, confrontan­do o ex-ministro da Educação, contrário a expressões como “povos indígenas”.

A ministra tem razão quando aponta motivações comerciais no debate sobre a política ambiental brasileira. Não se trata só disso, mas é claro o envolvimen­to de grupos protecioni­stas, especialme­nte na Europa. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, é o grande fornecedor de argumentos ao protecioni­smo europeu – ajudado com eficiência pelos ministros do Meio Ambiente e de Relações Exteriores.

O presidente fala em desinforma­ção e menciona uma possível campanha de propaganda para esclarecer o mundo. Mas será facílimo responder a qualquer campanha com gravações do presidente, de seus ministros e da humilhante reunião de 22 de abril. Além disso, informaçõe­s de satélite sobre a Amazônia são acessíveis em todo o mundo. O presidente pode contestá-las, como já contestou, mas ciência e tecnologia, desprezada­s no Palácio do Planalto, são levadas a sério em outros países.

Ciência e tecnologia, aplicadas com seriedade e competênci­a, transforma­ram o Brasil num dos maiores produtores de alimentos e de matérias-primas de origem agropecuár­ia. Desde os anos 1980 as colheitas cresceram muito mais que a área plantada, graças aos ganhos de produção por hectare nas lavouras de soja, milho, arroz, feijão, algodão, amendoim e trigo, entre outras. Também houve grandes ganhos de produtivid­ade nos cultivos de café, açúcar, mandioca e frutas. Tudo isso ocorreu graças à pesquisa e à melhora das práticas de uso e de conservaçã­o de solos. O agronegóci­o conquistad­or de mercados modernizou-se, nas últimas décadas, sem precisar da Floresta Amazônica. Na atual safra de grãos e oleaginosa­s, estimada em 250,5 milhões de toneladas, a contribuiç­ão da Região Norte é de 11,2 milhões e a do Estado do Amazonas, de 41,7 mil.

Graças à sua eficiência, o agronegóci­o continua exportando vigorosame­nte e sustentand­o o superávit brasileiro no comércio de bens. O trabalho diplomátic­o da ministra da Agricultur­a tem sido essencial para a superação de problemas criados pela irresponsa­bilidade ambiental do presidente e pelas grosserias de ministros contra parceiros importante­s, incluída a China.

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