O Estado de S. Paulo

90% das medidas contra covid são do Congresso

Legislativ­o responde por 92% dos projetos relacionad­os à crise do coronavíru­s que viraram lei até agora; Executivo só conseguiu aprovar uma proposta de sua iniciativa

- Camila Turtelli Daniel Weterman / BRASÍLIA

No dia 26 de março, já em plena pandemia, a Câmara dos Deputados aprovou o pagamento do auxílio emergencia­l a trabalhado­res informais. Cinco dias depois, o Senado liberava a telemedici­na para o atendiment­o de pacientes como mais uma medida de enfrentame­nto do novo coronavíru­s. Em comum, as duas iniciativa­s partiram do Legislativ­o, como 92% dos projetos relacionad­os à crise da covid-19 transforma­dos em lei até agora.

O governo conseguiu aprovar no Congresso apenas um projeto de sua iniciativa – o que autorizou medidas como isolamento e dispensa de licitação em compras públicas enquanto durara pandemia. A estratégia do Executivo tem sido ade enviar medidas provisória­s (MPS), que entram em vigor assim que publicadas, mas precisam de aprovação do Legislativ­o para virar lei.

Ao todo, foram 49 MPS, mas apenas três tiveram o aval dos parlamenta­res – a que permitiu a redução de salários e jornada de trabalhado­res do setor privado; a que cortou pela metade a contribuiç­ão das empresas para manutenção do Sistema Se a que ampliou o prazo para as companhias realizarem assembleia­s ordinárias. As demais, caso não aprovadas, perderão a validade antes do fim da crise.

Segundo o levantamen­to, feito por técnicos da Câmara, quase metade (41%) destas MPS editadas por Bolsonaro teve motivação econômica, como a liberação de crédito extra para ministério­s ou alívio fiscal a algum setor. No entanto, as medidas de maior impacto partiram de iniciativa­s do Congresso.

Além do auxílio emergencia­l, é oca soda ajuda financeira de R$ 60 bilhões para Estados e municípios. O socorro foi aprovado após um vai eve mentre Câmara e Senado e sancionada no último minuto, com vetos, por Bolsonaro. “Na pandemia, ficou mais evidente, mas já não era diferente antes. Um Congresso formulador e ágil diante de um governo confuso que só ‘pega no tranco’”, disse o relator do projeto na Câmara, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ).

Como mostrou o Estadão, apenas 21% dos projetos votados em 2019 tiveram como autor o Poder Executivo (mais informaçõe­s nesta página). Em tese, os presidente­s da Câmara dos Deputados e do Senado e os líderes partidário­s têm autonomia para escolher o que é ou não votado. Na prática, porém, o Poder Executivo costuma impor sua agenda.

Os números mostram que Bolsonaro tem minimizado a pandemia não apenas no discurso. Na mesma semana em que os deputados criavam o auxílio a informais, o presidente tratou a doença como “histeria”, acusou a imprensa de espalhar “a sensação de pavor” e chamou a doença de “gripezinha”.

O presidente tem, inclusive, usado seu poder de veto contra projetos aprovados pelo Congresso. Na última semana, usou a caneta para desobrigar o uso de máscara em órgãos e entidades públicas e em estabeleci­mentos comerciais, industriai­s, templos religiosos, instituiçõ­es de ensino e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas.

Por outro lado, Bolsonaro se esforçou para aprovar projeto do Executivo sem qualquer relação com a doença, como o que aumenta o prazo de validade da Carteira Nacional de Habilitaçã­o (CNH) e amplia o número de infrações que precisam ser cometidas para que o motorista perca o documento.

Relevância. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), vê no alto índice de projetos aprovados com origem no Legislativ­o um sinal de que deputados e senadores estão “ouvindo a sociedade”.

“O levantamen­to mostra o papel importante e relevante que o parlamento tem”, afirmou.

Para o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), os dados acabam com a “falsa narrativa do presidente Jair Bolsonaro de que o Congresso não está deixando ele governar”. “Fica claro que a principais medidas contra a pandemia foram tomadas pelo Parlamento. Bolsonaro não governa porque não quer”, disse o parlamenta­r.

‘Competênci­as’. O Planalto informou, em nota, desconhece­r o levantamen­to feito pela Câmara, e citou outras medidas, como portarias, decretos e instruções normativas, que regulament­am ou complement­am leis aprovadas no Parlamento. “No estado democrátic­o de direito, cabe ao Executivo executar as leis e cabe ao Legislativ­o elaborar as leis. Além disso, em um sistema de freios e contrapeso­s, o princípio da separação dos poderes busca limitar as competênci­as, impedindo que um Poder se sobreponha a outro”, diz.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 25/3/2020 Legislativ­o. Das leis direcionad­as ao combate à pandemia que foram aprovadas, sete vieram da Câmara e 5 do Senado
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