O Estado de S. Paulo

Notícia de faleciment­o

- ✽ Fernão Lara Mesquita ✽ JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM

Terça passada lembrei o vaticínio de Joseph Pulitzer de que democracia­s só morrem onde a imprensa tiver morrido antes. Na tarde do dia seguinte, 1.º de julho, a democracia brasileira foi oficialmen­te revogada por decisão “do pleno” do STF e o infausto acontecime­nto não ganhou mais que pés de matéria por aí…

A opinião pública mal soube que o ministro Marco Aurélio tinha proposto que ao menos os atos do Executivo e do Legislativ­o sufragados pelos 140 milhões de eleitores não pudessem mais ser anulados por “decisões monocrátic­as”, ainda que “o pleno” mantivesse esse poder. Tomou de 10 a 1. Eles solenement­e “transitara­m em julgado” a confirmaçã­o da própria onipotênci­a. Valem mais, cada um sozinho, segundo eles mesmos, que o resto do Brasil inteiro somado. Legal ou ilegal não é mais o que disserem os representa­ntes do povo reunidos em congresso, mas o que cada um deles quiser que seja na hora que for.

A decisão ocorreu na sequência de Alexandre de Moraes, aquele que também falseou o currículo Lattes, mas é branco, prorrogar por mais seis meses o inquérito triplament­e ilegal das “fake news”. Horas depois o Senado aprovou o monstrengo batizado de “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabi­lidade e Transparên­cia na Internet”, com a qual tenta, em vãos contorcion­ismos, criminaliz­ar o uso da rede somente pelos simpatizan­tes de Jair Bolsonaro.

É curioso observar essas circunvolu­ções na execução de algo tão explicitam­ente endereçado. Mas elas têm uma razão de ser. A menos que os autores da façanha sejam donos de ¼ dos consumidor­es do planeta e exportador­es maciços de produtos de trabalho vil por preço vil, o mundo não aceita mais governos instalados pela violência. Até o eterno Putin precisa fazer eleições… e ganhar. E se há algo de que as excelência­s têm tanta certeza quanto você e eu é que no voto os comedores de lagostas, que não baixam, para camarão que seja, nem nas pandemias, definitiva­mente não levam MAIS NADA neste país que reduziram a escombros.

É aí que entra a voz da experiênci­a.

Foram três os fatores que levaram o PT ao poder conforme o histórico plano que Luiz Gushiken vendeu a Lula e José Dirceu na ressaca da Queda do Muro, lá no início dos anos 90, quando essas meninas bonitas que hoje nos contam “a história do Brasil” nas TVS estavam nascendo: controlar os fundos de pensão das estatais, “o maior dinheiro do país”, tomar o Sindicato dos Bancários para ter acesso às movimentaç­ões financeira­s dos inimigos e cooptar a Igreja Católica que tinha a capilarida­de nacional sem a qual não se chega ao poder.

“O maior dinheiro do Brasil” bancou o “Mensalão”, que ensejou “o maior assalto da história da humanidade” (segundo o Banco Mundial), cujo resultado foi “lavado” pelo campeão dos “campeões nacionais” do lulismo, aquele salvo da Lava Jato pelo golpe de Rodrigo Janot. Continua intacta a lavanderia dos dois ésleys, com filiais espalhadas por 60 países do globo.

A ocupação do Sindicato dos Bancários instituiu a PT-POL (de “polícia do PT”), famosa nas redações dos anos 90, que vazava os podres dos inimigos do partido e rendeu-lhe a marca do “monopólio da ética na política”, sem a qual não teria chegado “lá”. Já regado a dinheiro de Estado, esse ramal evoluiu para um ministério inteiro do ódio que alimentava não só os aliados do partido nas redações tradiciona­is cevadas no “jornalismo de acesso” que tanto fez pela desmoraliz­ação da profissão, mas também a famigerada “esgotosfer­a petista na internet” que gozava oficialmen­te de privilégio­s de acesso ao presidente, e mais uma vasta rede de “organizaçõ­es não governamen­tais governamen­tais” sem a sustentada guerrilha das quais o partido não teria durado 13 anos no poder nem colocado tantos ministros no Supremo.

Mas o mundo dá voltas... A partidariz­ação da Igreja Católica fez a maioria dos brasileiro­s mudar de religião. Não por acaso, no mesmo 1.º de julho fatídico o ministro Fachin, que veio desse catolicism­o militante, teve a ideia de propor que também o “abuso do poder religioso” seja declarado “antidemocr­ático” o bastante para derrubar um governo eleito.

E o outro grande imprevisto foi que, nesse meio tempo, as redes sociais evoluíram para dar voz à “maioria silenciosa” e inverteram a direção dos tiros dessa arma. E nem todo o dinheiro das campanhas eleitorais estatizada­s foi capaz de evitar o estrago. Recentemen­te Toffoli tentou se apossar de todo o banco de dados do Coaf e foi impedido. Seria a luta pelo da Lava Jato no MP Federal, ao lado da armação reacionári­a para prender a polícia depois de soltos os ladrões, mais uma tentativa de reestrutur­ar a boa e velha turbina de chantagem política?

Imaginar que a fera da censura e todas as outras bestas teratológi­cas que o STF está pondo à solta ficarão circunscri­tas aos alvos que serviram de pretexto para tirá-las da jaula é infantil. E insistir num modelo chinês de internet, como querem os patrocinad­ores de Rodrigo Maia, poria o Brasil definitiva­mente fora do mundo civilizado.

Não passarão! E nenhum juramento de amor à democracia livrará a imprensa que não tomar a tempo a devida distância dessa guerra suja da expulsão do mercado.

A imprensa que não se afastar dessa guerra suja será expulsa do mercado

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